Bolsonaro vai lotando governo com milicos

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Foto: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO

Um comunicado de poucas linhas da Casa Civil informava que “por motivos de caráter estritamente pessoal, em grande parte de foro íntimo”, o então ministro Golbery do Couto e Silva pedia demissão do cargo. Era 8 de agosto de 1981. Golbery foi o último general a ocupar o cargo que deve ser de Walter Braga Netto, atual chefe do Estado-Maior do Exército (EME).

A distância que separa os dois generais não é meramente temporal. Golbery representava um projeto político para o País, identificado com a Escola Superior de Guerra (ESG), que condicionava à segurança nacional o êxito de seu desenvolvimento. Via nos objetivos nacionais permanentes a razão de ser do Estado, que ampliaria, segundo Golbery, “cada vez mais a esfera e o rigor de seu controle sobre uma sociedade já cansada e desiludida do liberalismo”. Nas palavras do cientista social Oliveiros Ferreira, o general era então “um dos últimos discípulos de Thomas Hobbes, mesmo a contragosto”. “Por isso, para ele, a Liberdade – da mesma forma que a Propriedade– era instrumental.”

Quando Braga Netto era tenente-coronel e gerenciava nos anos 1990 no Palácio do Planalto o projeto Sivam-Sipam (o sistema de proteção e vigilância da Amazônia), o general Golbery se havia transformado em tema para livros de história. O Exército deixava a visão estatista do governo Geisel (1974-1979) e a ideologia esguiana para trás e começara a mandar seus oficiais fazer cursos nas Fundações Dom Cabral e Getúlio Vargas. A Força descobrira a gestão, a qualidade total e, por meio dela, o novo liberalismo.

O domínio da gestão estratégica e de seus métodos passaram a ser um atributo tão ou mais importante do que saltar de paraquedas, conhecer as direções táticas de atuação de grande unidades ou os requisitos operacionais básicos de um material bélico. É por isso que, ao ser nomeado interventor federal na Segurança do Rio, Braga Netto deixou o dia a dia da polícia – inclusive a investigação da morte da vereadora Marielle Franco – para seus subordinados e montou, no Comando Militar do Leste (CML), um gabinete para gerir compras e licitações, tentando pôr em ordem a frota de veículos, o arsenal e a manutenção dos materiais da polícia, da pericia e dos bombeiros.

Nas poucas entrevistas que concedeu, Braga Netto sublinhou que o grande legado da intervenção no Rio era o da gestão, da coordenação e do planejamento – e foi isso que o fez bater de frente com a decisão do governador Wilson Witzel (PSC) de dividir a Segurança Pública em duas pastas, uma da Polícia Civil e outra da Militar. “Ele é o Onix do Pujol (Edson Pujol, comandante do Exército)”, disse um general, comparando a função do EME com a da Casa Civil. “Será o chefe do Estado-Maior do Planalto”, completou seu colega de turma na Academia das Agulhas Negras – Braga Netto saiu aspirante em 1978 e passará para a reserva em julho.

A nova missão do general deve ser coordenar os ministérios – a articulação política permanecerá com Luiz Eduardo Ramos (turma de 1979 da Aman e ex-comandante do Sudeste), da Secretaria de Governo. Será algo inédito na República: dois generais da ativa e do Alto-Comando ocupando os mais importantes postos civis do Planalto.

O tempo deixou para trás Golbery. Em seu lugar, o Exército vai ao Planalto com homens da tropa. São esses gestores que querem consertar o País. A Força mudou, mas o salvacionismo não foi esquecido.

Estadão