Cresce pressão para Haddad disputar SP

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Foto: Guilherme Santos/Sul21

Consideradas pela própria centro-esquerda como o teste que medirá a força nacional do bolsonarismo, as eleições municipais deste ano, em especial o complexo cenário de São Paulo, têm levado lideranças do PT a admitir, reservadamente, a dificuldade de montar uma estratégia de competição eficaz contra a extrema direita em ascensão. Mais de um ano após a derrota para Jair Bolsonaro no segundo turno, o PT escancara as dificuldades para formar alianças amplas além da esquerda. “O PT gosta de desafiar o perigo. É mesmo impressionante”, define um integrante da legenda.

Dividido como sempre, e sem nomes expressivos para a disputa em São Paulo, correntes distintas do partido pressionam o ex-prefeito e ex-candidato à Presidência Fernando Haddad a apresentar sua candidatura na capital. Alas do partido chegam a condicionar a candidatura de Haddad em São Paulo como a fatura a pagar para que ele continue sendo a opção preferencial para 2022.

Alas petistas pregam que disputar em SP é a fatura que ex-prefeito deve pagar para continuar como opção para 2022

“Se Haddad não disputar neste ano a prefeitura, ele deixa de ter musculatura para 2022. A direção nacional do PT é hostil a ele e os governadores do Nordeste, sem mandato, vão pleitear a pré-candidatura à Presidência”, prevê um parlamentar petista, citando os nomes dos governadores da Bahia, Rui Costa, e do Ceará, Camilo Santana, como opções futuras para o pleito presidencial.

O fogo amigo, por enquanto, não tem abalado o ex-prefeito. Além de sustentar que não sente motivação para disputar mais uma vez a eleição na capital, Haddad tem deixado claro aos correligionários que ainda tenta resolver pendências da vida profissional e pessoal, cujos rumos foram alterados abruptamente por conta de 2018. A preocupação central do ex-candidato à Presidência neste momento, dizem os petistas que lhe dão suporte, é que o PT encontre um caminho mais promissor para lidar com a complexidade do bolsonarismo, um governo que Haddad classifica como “protofascista”.

Setores do partido reclamam que enquanto a extrema direita avança, o PT se afunda na burocracia, segue refratário a qualquer crítica que envolva o passado, acredita piamente no retorno ao poder num médio prazo e não se mostra apto a fazer um debate realista, estratégico e com novos paradigmas, considerando a tumultuada conjuntura mundial.

A forma como a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffman (PR), atua para controlar a burocracia partidária é interpretada por grupos mais simpáticos a Haddad, como prova do amadorismo para enfrentar os novos tempos.

Os espaços de formulação teórica do partido e a estratégia de comunicação são dois pontos centrais das disputas internas que envolvem Haddad. O ex-prefeito trabalhava para transformar a Fundação Perseu Abramo (FPA) numa espécie de think tank progressista, um espaço aberto, inclusive, ao diálogo com o centro, numa interlocução internacional mais organizada, como faz o campo bolsonarista.

A FPA será presidida por Aloízio Mercadante e a briga mais recente nos bastidores permeia a composição da diretoria executiva e do conselho curador da fundação. Haddad deve presidir o conselho curador, mas há disputa para que aliados da presidente do PT tenham poder de definir rumos da fundação, que contará com um milionário orçamento de 20% do fundo partidário do PT, ou seja, da ordem de R$ 20 milhões.

“O PT precisa ouvir mais setores da intelectualidade, de centro, e gente do mercado financeiro, economistas fora do polo da esquerda, sem que sejam estraçalhados pela esquerda mais radical”, observa um dirigente petista mais crítico sobre os rumos da sigla.

O ex-prefeito também formulou um plano de comunicação para o PT se contrapor ao que Haddad classifica de “propaganda fascista” bem estruturada dos adversários. O plano está sob análise da Executiva Nacional. Segundo o secretário nacional de Comunicação do PT, Jilmar Tatto – hoje o nome mais forte também para a disputa em São Paulo -, a proposta de Haddad “é unanimidade” e há consenso de que o partido precisa integrar todas as redes sociais progressistas. “Eu vou tocar esse projeto, que será vinculado à presidência do partido”, diz Tatto.

No campo das alianças, também há ressalvas internas. Um dos exemplos citados pelos petistas moderados, incomodados com o rumo do PT, é o caso de Recife. Se o partido optar por manter a aliança com o PSB pernambucano, apoiando a candidatura do deputado federal João Campos, o filho de Eduardo Campos, morto em 2014, é envolver São Paulo na negociação. O PSB, em troca, poderia se comprometer em não fazer uma campanha ancorada no antipetismo na capital, ainda que o ex-governador Márcio França caminhe para uma aproximação com o presidente da Fiesp, Paulo Skaf (MDB), bolsonarista convicto.

Em conversas com os aliados mais próximos e com o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Haddad tem sido categórico: diz que não aceita entrar na disputa, sobretudo por razões pessoais. O ex-prefeito faz questão de salientar nas rodas petistas que só falou com Lula sobre a disputa em São Paulo uma única vez, quando o ex-presidente abordou a eventual necessidade da candidatura diante da escassez de quadros competitivos na capital paulista. A conversa ocorreu no ano passado, semanas antes de Lula deixar a prisão. Depois disso, os dois não falaram mais sobre o assunto diretamente, ainda que, na semana passada, Lula tenha dito, na reunião com as bancadas da Câmara e do Senado, que se Haddad mudar de ideia e quiser disputar, todos os pré-candidatos abririam mão da disputa.

Os defensores da candidatura do ex-prefeito sustentam que uma chapa Haddad-Marta Suplicy (ainda sem partido) seria imbatível. A tese reflete interesses de petistas ainda próximos a Marta, que consideram a possibilidade de Haddad, se eleito, deixar a Prefeitura em 2022 para se dedicar à disputa presidencial. Em recente conversa com Marta, por telefone, Haddad agradeceu a deferência da também ex-prefeita, que havia mandado diversos sinais de sua inclinação em disputar numa eventual chapa liderada por ele. Sem meias palavras, o ex-prefeito explicou, porém, não cogitar a disputa.

O entorno de Haddad considera um equívoco ele se candidatar agora. Seus aliados advogam que, mesmo se vencer, trata-se de uma equação “perde-perde”: além de ter em seu encalço João Doria (PSDB) no governo do Estado, administraria a maior cidade do país em confronto direto com Bolsonaro, e sem o respaldo da direção nacional do PT, nas mãos de Gleisi, com quem nunca teve boa interlocução. “Ele não pode trocar um borderô de 47 milhões de votos por algo menor”, justifica um de seus principais aliados.

Valor Econômico