Crivella diz que Bolsonaro irá apoiá-lo na reeleição

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Foto: Leo Pinheiro/Valor

Em busca da reeleição, depois de sobreviver a votações de vereadores que tentaram seu impeachment, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), considera “fundamental” a ajuda de Jair Bolsonaro – bem como o “de todos que puderem me apoiar” – na disputa de outubro, mas afirma que vai entender se o presidente da República apadrinhar outro candidato. Crivella nega que esteja “desesperado” pelo apoio de Bolsonaro e lembra que já perdeu e ganhou eleições concorrendo sem aliados, sustentado pelo voto evangélico, segmento ao qual é ligado como bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus.

“Estou desesperado para disputar a eleição e levar a verdade do meu mandato para as pessoas. Agora, se o presidente da República quiser um candidato no Rio de Janeiro, do partido dele, que está formando, ou de algum acordo dele, ele terá o mesmo respeito que sempre tive por ele. Claro que eu quero que ele me apoie, mas eu jamais iria colocar isso à frente do interesse das pessoas. Até porque minha conduta nunca foi assim”, disse Crivella em entrevista de uma hora ao Valor, na Cidade das Artes, espaço cultural concebido na gestão do ex-prefeito César Maia, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. O prédio é um dos locais usados por Crivella para despachar. Ele concedeu a entrevista ao lado de secretários de governo.

Ao comentar campanhas passadas, ele prosseguiu: “Disputei contra o [ex-governador Sérgio] Cabral sozinho. Eu não tinha um apoio. Contra o [ex-prefeito] Eduardo Paes [DEM], quando venci depois de ter perdido quatro, quem me apoiava? As eleições para senador ganhei duas. Teve uma em que 70 deputados e 92 prefeitos apoiavam o [ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge] Picciani e eu entrei raspando. Mas quem me apoiava?”, perguntou.

Crivella disse ter pesquisas internas recentes, de janeiro, que mostrariam que sua gestão tem aprovação de 35% do eleitorado carioca, juntando-se os que acham o governo ótimo, bom ou regular. Questionado se se sente confortável para buscar a recondução com estes índices, o prefeito argumentou que o mais importante é continuar “dentro da minha linha”. Dogmático, disse que sua lógica política reflete “quem acredita em certo e errado, em bom e mau, não em vencedores e vencidos, em espertos e otários”: “Tive um governo sem corrupção, não temo enfrentar o eleitorado. Tomei as decisões mais duras que alguém podia enfrentar.”

Citou como exemplo o corte de 25% do custeio da prefeitura, com a redução de cargos e secretarias, a taxação dos servidores inativos e a atualização, “depois de 20 anos”, da planta do IPTU. “Vinte mil apartamentos em Copacabana estavam fora do IPTU”, afirmou. Também disse ter enfrentado “a questão do subsídio” da prefeitura ao Carnaval do Rio, festa tradicional da cidade com a qual o prefeito mantém distanciamento, à diferença de seu antecessor, Eduardo Paes, um frequentador assíduo do samba carioca. “Esse ano vamos ter um Carnaval lindo, maravilhoso, e a prefeitura não vai colocar um centavo [nas escolas da Marquês de Sapucaí]”, disse Crivella.

No campo político, o prefeito lembra que disputou muitas eleições e perdeu. “Perdi para o Sérgio Cabral. Ele tem 250 anos de sentença. Perdi para o [ex-governador Luiz Fernando] Pezão. Ele tem dezenas de processos. Perdi para o Eduardo [Paes]. Foi seguramente, se alguém analisar, de maneira fria, a administração mais temerária que tivemos na cidade, com prejuízos imensos, enormes. Foi, para mim, o principal disputar uma eleição com certeza de que ia ganhar? Não. Disputar uma eleição por princípios, por valores”, disse. Procurado, Paes preferiu não responder às críticas do sucessor.

Nos bastidores, diz-se que a reticência de Bolsonaro em apoiar Crivella deve-se à impopularidade do prefeito, premido por dificuldades financeiras que o levaram, em dezembro, a suspender temporariamente o pagamento de todas as movimentações financeiras e as obrigações com fornecedores do município. “Posso não ter feito grandes obras, comparadas à [gestão] anterior, mas cuidei das pessoas. Pela primeira vez o Rio abre as escolas aos sábados, onde crianças tomam café, almoçam, tem reforço escolar. Será que isso não vale?”.

Crivella disse ainda que “as pesquisas de opinião são importantes” e as reconhece: “Procuro aprimorar o governo e ouvir as sugestões”. Mas vai disputar a eleição movido por suas “mais profundas convicções”. O prefeito disse não ter feito um governo populista. “Cortei verbas publicitárias, cortei Carnaval, enfrentei o VLT [concessão do Veículo Leve sobre Trilhos], enfrentei a Linha Amarela [linha expressa que liga a Av. Brasil à Barra da Tijuca], enfrentei todos os grupos poderosos do Rio de Janeiro em favor das pessoas.” Com a Linha Amarela, controlada pela Invepar, Crivella trava batalha judicial. “Respeito as linhas de ônibus, o VLT, os cinemas, a Orla Rio [concessionária de quiosques na orla], os museus, os teatros, tudo. Agora, a Linha Amarela não é um consórcio. É um estupro.” A Invepar preferiu não se manifestar.

Questionado se teme a concorrência de candidatos de olho no eleitorado evangélico, Crivella disse que o segmento vai “verificar aquele que tem o maior sofrimento, a maior experiência”. “Ou que tem mais, não vou dizer direito, mas que, pela ordem natural das coisas, se plantou deve colher”. Entre os principais concorrentes, Paes, segundo informações do entorno do ex-prefeito, pretende chamar um evangélico para ser o vice de sua chapa. O governador Wilson Witzel (PSC) estuda lançar a juíza Glória Heloiza Lima da Silva, frequentadora da Igreja Batista. E o PT e a esquerda, em reação a derrotas recentes, têm se preocupado em se aproximar do grupo religioso.

Para Crivella, o eleitor evangélico, de modo geral, tendia a votar em legendas de esquerda, pois estas, resume, defendem a caridade, enquanto os “partidos de direita falam em meritocracia”, o que não era bem aceito no segmento por causa das grandes desigualdades do Brasil. Mas dois personagens teriam reduzido a simpatia pelo campo progressista. “Houve na esquerda dois líderes, [o ex-ministro Fernando] Haddad (PT) e outro chamado [Jorge] Rachid [ex-secretário da Receita Federal nos governos Dilma e Temer], que fizeram o afastamento dos evangélicos com a esquerda. Um trouxe o kit gay, o outro trouxe o imposto sobre as igrejas” disse. Procurado, Haddad disse que o “kit gay” não passou de “uma gigantesca fake news”.

Isso, continuou Crivella, facilitou a aproximação dos evangélicos com Bolsonaro, um fenômeno que, em sua opinião, não era previsível, devido ao perfil do presidente. “Dizem que a esquerda tende no governo a entrar em corrupção, e que a direita à violência. Graças a Deus os evangélicos próximos ao presidente, inclusive o general [e ministro-chefe da Secretaria de Governo Luiz Eduardo] Ramos, vão trazê-lo para soluções que não são radicais, para o equilíbrio e ponderação.”

Ainda sobre a possível divisão de sua base social nas eleições, Crivella torce: “Se o povo evangélico pensa como eu, verificou que enfrentei tantas lutas, tantas dificuldades… Dos R$ 6,8 bilhões [de dívida], eu paguei R$ 4,8 bilhões, faltou só R$ 2 bilhões. E depois, tenho certeza de que, numa escala muito melhor, nós vamos cumprir a nossa promessa que é cuidar das pessoas”, afirma, repetindo o slogan de sua campanha em 2016.

Desde que assumiu, Crivella atribui as dificuldades à queda de arrecadação devido à crise econômica e a uma suposta herança maldita deixada por Paes. Na entrevista, ao tratar dos problemas econômicos do município, mencionou o antecessor diversas vezes. Disse que administrar a cidade se tornou uma “confusão” com o legado de Paes. Houve, segundo ele, forte queda na arrecadação desde o último mandato de Paes combinada com dívidas e compromissos assumidos no apagar das luzes do mandato, em 2016. Um deles foi a municipalização de dois hospitais estaduais ao custo de R$ 320 milhões por ano.

Segundo Crivella, a prefeitura fechou 2019 com R$ 1,2 bilhão de restos a pagar. Sua aposta, para resolver os problemas de caixa, é uma operação de securitização da dívida pública. A XP foi contratada para ajudar a cobrar a dívida ativa, que passa de R$ 60 bilhões. A previsão é levantar R$ 3 bilhões até maio em operação com fundos públicos. Ele também conta com venda de imóveis e investimento em concessões.. Na entrevista, o prefeito voltou a fazer críticas à TV Globo.

Valor Econômico