Foram disparadas 3 rajadas de tiros contra miliciano

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Foto: MATHEUS BURANELLI

Um ar bucólico paira sobre os 37.000 habitantes de Esplanada, a 170 quilômetros de Salvador (Bahia). Na praça do centro do município, margeada por árvores de médio porte, os moradores se reúnem em pequenos grupos para falar sobre o que acontece na cidade. Desde o último domingo não há outro assunto que não o chefe miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, de 43 anos, morto em suposto confronto com forças policiais da Bahia e do Rio, a 8 quilômetros dali. Poucos, no entanto, se mostram dispostos a falar sobre a operação ―ainda cercada de dúvidas— que eliminou o ex-policial próximo à família Bolsonaro. Quando aceitam relatar o que sabem, pedem anonimato ao discorrer sobre a passagem de Nóbrega pela região, incluindo as conexões do miliciano com um político do PSL e um pecuarista.

“Eu fiquei com meus filhos dentro de casa orando pra que nada acontecesse. Foi um terror”, conta uma vizinha do povoado de Palmares, zona rural de Esplanada. É lá que fica a propriedade do vereador Gilson Neto (PSL) que serviu como último esconderijo de Adriano da Nóbrega, embora o político negue qualquer ligação com o miliciano e alegue que seu sítio foi invadido.

A vizinha diz ter dificuldade de lembrar detalhes por causa do medo que sentiu na manhã de domingo, quando a ação aconteceu. Conta que está sem conseguir dormir desde então, e que fica apreensiva toda vez que vê um carro se aproximando da propriedade. “Meu filho brincava todo dia lá no quintal, mas agora eu não deixo porque tenho medo de alguém aparecer por lá”, diz.

Foi num imóvel pequeno e arejado de paredes brancas, sede do sítio pertencente ao político do PSL —até bem pouco tempo atrás o partido de Jair Bolsonaro e dos filhos—, que Nóbrega foi abordado pela polícia. Vizinhos relatam que a ação foi rápida, mas que os tiros não foram disparados de uma só vez. Houve, pelo menos, uma sequência de três rajadas.

Outro vizinho do vereador, que também não quis se identificar, ajuda a narrar o cerco. Conta que, na fatídica manhã de domingo, foi surpreendido por dois policiais. Com rostos cobertos por brucutus, os agentes conseguiram chegar a sua propriedade pelos fundos do sítio de Gilson Neto. A dupla de policiais disse que estava atuando em uma ocorrência de roubo a banco e pediu para revistar a casa. Nem precisaram buscar Adriano da Nóbrega ali. Logo em seguida, os tiros começaram na propriedade vizinha. “Eles pediram que a gente entrasse em casa pra se proteger dos tiros. A gente não sabia do que se travava. Só veio saber depois, pela imprensa.”

Segundo a versão oficial da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, Adriano da Nóbrega tinha em mãos uma pistola austríaca 9mm e foi baleado após resistir atirando contra os agentes —cerca de 70 participaram da operação. O fato de estar numa área rural, isolada e cercada, levantou dúvidas sobre a abordagem policial: por que não foi usada uma ação mais cautelosa da polícia para prender o miliciano? O ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) era um alvo importante. É acusado de ser chefe da milícia de Rio das Pedras, uma das mais antigas do Rio, e também de comandar o Escritório do Crime, um sofisticado braço armado para execuções suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle e Anderson. Somam-se aos questionamentos a afirmação do advogado de Nóbrega dizendo que seu cliente temia ser alvo de “queima de arquivo”.

Tanto a PM da Bahia como a do Rio repetem que a ação foi um sucesso. Apesar de o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, afirmar que as circunstâncias da morte seriam investigadas pela Corregedoria da PM, a cena da operação policial seguia desprotegida nesta terça-feira, quando o EL PAÍS visitou o local, o que afeta a reconstrução da operação. O Governo da Bahia afirmou também não ter filmado a operação, apesar de ser um caso de repercussão nacional. Um vizinho do sítio disse, no entanto, ter visto um drone sobrevoando sua casa no momento da ação.

No sítio do vereador do PSL, o EL PAÍS identificou apenas duas marcas de tiro na parede, ambas próximas à porta da frente da casa, debaixo de uma janela. Na sala da casa de cinco cômodos, ainda é possível ver grande quantidade de sangue e móveis revirados. No chão, uma linha de sangue, formada da sala até a varanda do imóvel, denota que Adriano foi arrastado pelos policiais. Na cozinha, ficaram pães, aparentemente frescos, e uma garrafa térmica em cima de uma mesa. Na pia, copos e talheres.

Em um dos quartos, num possível sinal de que o miliciano havia se organizado para a fuga, havia ainda nesta terça-feira pelo menos duas malas de roupa, além cápsulas de suplemento vitamínico e inúmeras cartelas de medicamentos. No cômodo estavam ainda duas caixas de celular —segundo a PM, 13 aparelhos do tipo, que estariam sendo usados por Nóbrega, foram apreendidos no local.

Os celulares poderiam ser um caminho para fechar os fios soltos a respeito dos últimos dias do miliciano e para esclarecer o tamanho da rede de apoio de Nóbrega, que estava foragido desde janeiro de 2019. Capitão Adriano, como era conhecido, chegou à região no fim do ano passado, recebido pelo empresário e pecuarista Leandro Guimarães. Guimarães, que atua no ramo de vaquejadas, chegou a ser preso no domingo por porte ilegal de armas e prestou depoimento à polícia sobre o miliciano. Segundo o UOL, o Ministério Público baiano pediu que sua prisão em flagrante fosse transformada em preventiva, citando a necessidade de seguir investigando a relação com Nóbrega, mas a Justiça decidiu liberar o empresário após pagamento de fiança.

À polícia, Leandro Guimarães confessou, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, que deu abrigo ao miliciano em sua fazenda, também na região. O pecuarista relatou que, na noite anterior a sua morte, Adriano da Nóbrega recebeu mensagens no celular e ficou visivelmente nervoso. Então, sob ameaça, pediu que o empresário o levasse até o sítio do vereador Gilsinho.

Ainda não está claro como Guimarães conseguiu entrar no sítio do vereador do PSL com Adriano da Nóbrega, já que o vereador alega nunca ter visto o miliciano e nem autorizado a ida dele para lá. Gilsinho sugere a possibilidade de invasão do local, algo que, até o momento, o empresário do ramo das vaquejadas não confirmou. Guimarães é amigo da família do vereador, que tem outros dois irmãos políticos, um deles ex-prefeito de Esplanada e o outro deputado estadual pelo PSB.

Também à polícia, o pecuarista contou que conheceu Adriano da Nóbrega há dois anos, por causa do envolvimento do miliciano com o ramo das vaquejadas. O criminoso, na versão do empresário, disse ter ido para Esplanada com objetivo de comprar uma propriedade, na zona rural, para viver. Chegou a visitar algumas delas, incluindo a do vereador Gilsinho. Por isso, ao precisar fugir, um dia antes da operação policial, pediu para ser levado ao sítio do vereador porque teria gostado dele.

Durante o maior tempo em que ficou em Esplanada, porém, o esconderijo de Adriano da Nóbrega era outro, o Parque Gilton Guimarães, uma fazenda pertencente ao pecuarista que abriga um espaço para competições de vaquejada. No local, também visitado pela reportagem na terça, a ordem é não falar sobre os tempos em que o miliciano passou por lá. Foi para lá o ex-capitão do Bope se dirigiu após fugir do cerco policial montado para prendê-lo em Costa do Sauípe, no litoral da Bahia, em janeiro. Adriano da Nóbrega chegou a morar em uma casa alugada em condomínio de luxo com parentes na zona.

Para chegar à sede do parque, cuja entrada fica às margens da BR-101, é necessário atravessar um longo trecho de uma estrada de terra, margeada por uma extensa área verde com vasta plantação de eucaliptos e cabeças de gado. Após as relações entre Guimarães e o miliciano virem à tona, a entrada que dá acesso à casa e ao local das vaquejadas foi fechada. Só pessoas autorizadas podem adentrar a área. Funcionários temem falar sobre o assunto e reagem com hostilidade ao serem questionados sobre a estadia do miliciano. Um dos vaqueiros que trabalham no local chegou a intimidar a reportagem. Primeiro sugeriu que poderia fechar as saídas da fazenda, o que deixaria a equipe presa no local. Depois afirmou que “quem invade propriedade privada sabe o que leva”.

Na zona do sítio onde o miliciano Adriano da Nóbrega foi morto os moradores não parecem ter tomado medidas para aumentar a segurança de suas casas, apesar da declarações de apreensão e medo. Nas propriedades próximas, não há algo que possa dificultar a entrada. Em algumas delas, os portões que dão acesso às casas ficam abertos.

A uns 400 metros dali, se alguns moradores aceitavam falar sobre o assunto, outros tentavam despistar a imprensa, com hostilidade. Um homem se aproximou enquanto a reportagem conversava com duas mulheres: “A gente aqui não sabe de nada, não. Esse povo aqui é povo meu. Vai procurar informação em outro lugar. Cada um sabe do seu.”

El País