Heleno tenta sobrepor Executivo ao Legislativo

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Foto: Francisco Cepeda/AgNews

Em meio a trocas no ministério que resultaram na presença ainda maior de militares no núcleo duro do Palácio do Planalto, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, protagonizou nesta quarta-feira, 19, mais um capítulo de embates entre o governo Bolsonaro e o Congresso, ao classificar as reivindicações de parlamentares por fatias do Orçamento de “insaciáveis”, que prejudicam o sistema presidencialista.

Para o cientista político da FGV, Eduardo Brin, as declarações de Heleno reforçam a visão do governo Bolsonaro de que o Executivo não é horizontal ao Legislativo e que o Congresso tem menos legitimidade que o governo federal.

Antes, o ministro havia reclamado de “chantagem” durante conversa com os ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) em cerimônia no Palácio da Alvorada. “Rapaz, nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo”, afirmou Heleno em áudio captado pela transmissão de evento no Palácio da Alvorada.

“Quando o Heleno fala que o governo não tem que se dobrar à demanda do Congresso, ele está dizendo o oposto, ou seja, o Congresso tem que aceitar as prioridades do governo, dada essa visão imperial, hierárquica que existe na cabeça do Bolsonaro e seus líderes mais próximos”, avaliou o professor.

Como essa declaração do general Heleno pode impactar na já abalada relação do governo com o Congresso?

Quando o Heleno fala que o governo não tem que se dobrar à demanda do Congresso, ele está dizendo o oposto, ou seja, o Congresso tem que aceitar as prioridades do governo, dada essa visão imperial, hierárquica que existe na cabeça do Bolsonaro e seus líderes mais próximos.

Essa nova declaração reforça uma visão de que o Poder Executivo não é horizontal ao Legislativo, é um poder que se acha superior, que considera que não cabe a ele barganhar nos termos do Congresso. É uma visão de que o Legislativo tem menos legitimidade que o Executivo.

Um segundo aspecto é que o Bolsonaro tentou desde o ano passado, e até agora não tem sido eficaz nessa estratégia, se colocar, de um lado, com uma postura imperial em relação ao Legislativo e, por outro lado, buscar pressionar o Congresso de fora para dentro via redes sociais e outras formas que têm sido usuais na relação desse governo com a sociedade como um todo. Isso não sensibilizou deputados e senadores, que não se cansaram de rejeitar uma série de medidas do governo no ano passado.

Como avalia essas recentes mudanças no ministério e o atual papel do MDB dentro do governo? Com a possível ida de Osmar Terra para a liderança na Câmara, todos as lideranças do governo serão do partido (Fernando Bezerra (MDB-PE) e Eduardo Gomes (MDB-SE) são os líderes no Senado e no Congresso, respectivamente).

É sintomático que na semana em que se consolida o predomínio absoluto dos militares em torno do presidente, declarações como essa do Heleno venham à tona. A tendência é endurecer a negociação do governo com o Congresso e reduzir ainda mais a possibilidade do governo contar com uma coalização de apoio que vá além do que tem hoje, de 30 a 40 deputados. A tendência é que se aprofunde essa relação tensa.

Em relação ao MDB, se a gente olhar a taxa de governismo do partido, ela não foi tão elevada do ponto de vista relativo, foi bem menor por exemplo que a do partido Novo. Como o MDB é uma federação de agremiações estaduais e dentro de cada Estado há um conjunto dividido de parlamentares, eu não assumiria que nós vamos ter no MDB uma relação tão orgânica com governo. Veja, por exemplo, o caso do Fernando Bezerra. Ele está em linha direta de disputa com o Jarbas Vasconcelos em Pernambuco. O Osmar Terra nunca foi uma liderança orgânica e influente no MDB do Rio Grande do Sul. Acho que são muito mais alternativas que restam ao Bolsonaro do que propriamente algo que vai resultar em uma taxa de governismo maior do MDB.

Desde o início do governo, o Congresso tem tomado uma postura de protagonismo e tocado sua própria agenda. O senhor concorda com a ideia que estamos vivendo uma espécie de parlamentarismo branco?

Eu não compro muito essa discussão do parlamentarismo branco porque ela é circunstancial. Não fosse Rodrigo Maia o presidente da Câmara, que consegue ao mesmo tempo ter consenso no baixo clero e negociar com empresários e outros atores protagonistas, e fosse um Aguinaldo Ribeiro, por exemplo, que está pleiteando o lugar dele, ou o Arthur Lira, que são deputados do baixíssimo clero, esses caras não estariam preocupados em fazer qualquer tipo de discussão que não fosse a defesa corporativa dos interesses dos parlamentares. Então acho que a gente precisaria “testar” essa hipótese do parlamentarismo branco não do ponto de vista de quem é o presidente, mas se, de fato, as regras de institucionalidade que garantem a relação entre Executivo e Legislativo venham a se alterar no Brasil. A Constituição sempre garantiu enormes prerrogativas de poder de agenda para o presidente: medidas provisórias, a prerrogativa de mandar leis orçamentárias, afora ainda ter o poder da caneta de nomear uma série de cargos. São recursos de poder muito fortes. Esse modelo institucional está intacto.

Claro que é fato que o Congresso tem, sobretudo depois da presidência do Eduardo Cunha, aumentado seu protagonismo, mas não quer dizer que isso signifique a gente assumir essa tese do parlamentarismo branco.

Como enxerga a relação do governo com o Congresso a partir de agora?

Essa relação tensa e conflituosa vai se manter, porque esse é o estilo que o eleitor que votou no Bolsonaro quer na relação com o Congresso: alguém que comande, não alguém que negocie, que barganhe e faça concessões. Ou seja, a gente vai seguir assistindo esse modelo morde e assopra, que deverá ser muito oneroso para que se aprovem políticas públicas e gerar um governo que vai acumular ainda muitas derrotas daqui pra frente.

Estadão