Lideranças na Câmara discutem tom da reação a Bolsonaro

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Foto: Leo Pinheiro/Valor

O tom e a intensidade da resposta do Congresso Nacional ao presidente Jair Bolsonaro dependerão da postura do governo nos próximos dias e da construção de uma ação consensual, da direita à esquerda. A estratégia, por enquanto, é não alimentar ainda mais a crise, mas há um entendimento, entre diferentes partidos, de que é preciso dar uma resposta dura e institucional ao presidente Jair Bolsonaro, ainda que não prospere a tese de um pedido de impeachment.

Bolsonaro compartilhou mensagens com aliados conclamando a participação da sociedade em protestos nas ruas, no dia 15 de março, contrários ao Congresso, políticos e ao Supremo Tribunal Federal. Sem uma resposta à altura, o Congresso se mostraria acuado, um quadro que os parlamentares querem evitar. Ontem, líderes partidários conversaram à distância com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que estava na França e só retornará ao Brasil na próxima segunda-feira. Nada será feito antes do retorno de Maia ao país.

Uma reunião de líderes já foi marcada para a próxima terça-feira e poderá ser transformada em um encontro ampliado, com participação de deputados e também do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e líderes senadores.

Em todas as trocas de mensagens com Maia, ontem, parlamentares expressaram a perplexidade com as atitudes de Bolsonaro e um movimento da extrema direita de “conspiração contra a democracia”, como definiu um líder. A manifestação da bancada do PSDB na Câmara, em nota, e desabafos de parlamentares do DEM nos bastidores foram interpretados como movimentos relevantes de parte da centro-direita cuja indisposição com Bolsonaro cresce a cada dia. Os partidos de esquerda, que defendem abertamente o impeachment, controlaram o ímpeto e vão aguardar uma ação coletiva.

“Tem que haver uma resposta institucional do Congresso, e a esquerda não pode puxar isso, muito menos o PT. Tem que ser um conjunto de forças”, definiu um parlamentar à esquerda.

A negociação para a derrubada de um veto ao orçamento impositivo, que está no epicentro do confronto entre o Palácio do Planalto e o Legislativo, terá continuidade pelos operadores políticos do governo, cientes de que o esgarçamento das relações pode gerar prejuízos aos dois lados.

Alcolumbre não se pronunciou sobre o episódio. Já Maia e os partidos de centro passaram o dia avaliando estratégias para responder Bolsonaro. A palavra do presidente da Câmara, embora de defesa das instituições, foi contra turbulências políticas – e sem citar diretamente o presidente. “Criar tensão institucional não ajuda o país a evoluir”, escreveu no Twitter. Maia foi endossado pelos principais líderes, do MDB, DEM e PSDB. Os partidos e líderes agem com cautela porque não querem fortalecer as manifestações de 15 de março.

Há duas semanas, os congressistas articularam a derrubada de um veto presidencial para permitir a equiparação das emendas feitas por relatores às individuais e de bancada, que são obrigatórias e têm prazo para serem empenhadas. Isso daria ao Congresso poder de controle sobre mais R$ 30,1 bilhões no Orçamento. As bancadas do Podemos, do PSL e da Rede entraram em obstrução e a votação foi adiada, com a promessa de que o governo enviaria um projeto regulamentando o uso dos recursos e toda a costura fosse feita por acordo.

Nesse meio tempo, contudo, as tensões pioraram após a divulgação de uma fala do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, qualificando as tratativas como “chantagens” do Legislativo. O governo, por sua vez, não enviou a proposta que concluiria o acerto.

Parlamentares da base governista, contudo, ainda esperam que o conflito seja resolvido com a edição do projeto prometido, evitando que as relações piorem e comprometam, por exemplo, a aprovação de reformas encaminhadas pelo governo. “No meu entendimento, o projeto seria o ideal. Seria o melhor meio de resolver isso, normalizar e retomar as atividades. Hoje nenhum conflito vai ajudar o Brasil”, afirmou o vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR).

Líderes de partidos do centro seguiram na mesma linha. O presidente do MDB e líder da bancada na Câmara, deputado Baleia Rossi (SP), citou que os Poderes “são independentes e harmônicos” e replicou a “correta avaliação do presidente da Câmara”.

Aliado de Maia, o líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB), disse que o governo tem como fazer uma demonstração de “bandeira branca”, caso recue e decida cumprir os “acordos fechados” para a votação do veto ao Orçamento Impositivo. “O momento atual pede sensatez e serenidade e que não insuflemos a crise”. Na avaliação de Efraim, a iniciativa de Bolsonaro de insuflar as manifestações deve atrasar mais uma vez o envio de propostas do governo para análise dos parlamentares. “Imagina o clima que o Paulo Guedes vai entregar a reforma administrativa no Congresso”, ponderou.

O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), afirmou, em nota, que o comportamento do presidente “em nada contribui para a discussão de outras duas reformas – a administrativa e a tributária -, que dependem do Congresso e que são cruciais para o Brasil”. O posicionamento do PSDB da Câmara foi visto com surpresa, uma vez que se trata de uma das alas tucanas mais favoráveis ao governo Bolsonaro, até o momento.

Já a oposição ainda espera construir uma articulação mais ampla, com setores do centro e da sociedade civil, para reagir ao compartilhamento do vídeo. Por enquanto, evitam falar num processo de impeachment. “Não pode ser caracterizado como bandeira só do PT, do PCdoB ou do Psol, tem que ser uma bandeira do Congresso em defesa da democracia”, afirmou o líder do PT, deputado Ênio Verri (PR). “Não vamos discutir o impeachment. Vamos fazer análise de conjuntura e aí decidir qual o caminho a ser seguido”, disse o petista.

“O segredo da estabilidade política de qualquer país, fator crucial para gerar confiança e crescimento econômico, é o equilíbrio e a moderação entre os Poderes. Bolsonaro vem repetidamente testando a nossa democracia para usar de desculpa pelo insucesso de seu governo. Agora, no entanto, passou dos limites”, afirmou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição. As forças democráticas do país, sustenta Molon, precisam mostrar a Bolsonaro que “acabou a tolerância a abusos de poder”.

Sem apoio dos partidos de centro, a oposição avalia que pedir o impeachment, com o governo ainda contando com apoio das ruas, seria “queimar uma carta importante precipitadamente”. A crítica de alguns setores da sociedade, como a declaração do secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), foi comemorada por setores críticos a Bolsonaro como um sinal de que a resistência ao atual governo cresce em setores estratégicos. O bispo Dom Joel Portella Amado pediu equilíbrio e respeito de Bolsonaro para com os demais poderes e afirmou que a Igreja Católica apoiará iniciativas que preservem a democracia.

Valor Econômico