Língua de Bolsonaro afasta investidores americanos

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Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

A desaceleração da economia e as turbulências políticas no Brasil neste início de ano contaminaram o ânimo de parte dos investidores americanos.

Após a aprovação da reforma da Previdência, em outubro, a sensação dos investidores americanos é que não há outra mudança a curto prazo capaz de impactar os negócios e o crescimento do Brasil.

Desde o ano passado, os donos do dinheiro dizem esperar que as reformas se reflitam nos índices econômicos para, só então, voltarem a apostar no país.

Os indicadores, porém, não mostraram uma reação mais forte, e o desânimo com os resultados abaixo dos projetados pelos analistas —somado ao temor de retração global— os deixou mais reticentes.

“A história que a gente vem contando para o investidor internacional, de que o Brasil vai ser um dos maiores deltas de crescimento de 2020, essa expectativa, sem dúvida, caiu um pouquinho”, diz Will Landers, chefe de renda variável para a América Latina da gestora do BTG Pactual.

“O estrangeiro ainda não se engajou com o mercado brasileiro de maneira forte, mas isso também tem muito a ver com o cenário externo.”

No começo do ano, a indústria no Brasil desacelerou, assim como as atividades de comércio e serviços, e parte do mercado passou a encarar o crescimento de 2% previsto para 2020 mais como um objetivo do que como piso.

O comportamento dos investidores brasileiros, que sofrem o impacto direto da sequência de más notícias, acaba afetando a confiança dos estrangeiros, que, muitas vezes, não têm conhecimento sobre os números setorizados.

A especialista em comércio e investimentos internacionais Tatiana Palermo afirma que os estrangeiros se preocupam mais com o ritmo das reformas e reforça que o quadro de desânimo hoje não se restringe ao Brasil.

“Vejo um movimento de redução de investimentos no Brasil e no mundo. Nessas situações, o capital foge de países emergentes para lugares mais seguros. Empresas do mundo todo estão segurando os investimentos.”

O medo de uma recessão global aumentou com o coronavírus —que já matou mais de 2.000 pessoas— e tem seu epicentro na China, segunda maior economia mundial.

Investidores nos EUA estão preocupados com o fato de o ministro Paulo Guedes (Economia) não ter plano B caso Pequim sofra um abalo maior daqui para a frente, já que o Brasil depende muito do comércio com os chineses.

Tanto a inação como os excessos do ministro despertaram a atenção dos investidores nas últimas semanas.

Os especialistas afirmam que a habitual verborragia ecoada pelos integrantes do governo Jair Bolsonaro ainda não é suficiente para mover investidores fora do Brasil.

Mais pragmáticos, eles querem saber se há impacto das declarações polêmicas na agenda econômica do Congresso, mas, nos últimos dias, as dúvidas foram um pouco além disso.

Segundos relatos feitos à Folha, os investidores estrangeiros queriam saber se Guedes sofria algum tipo de estresse dentro do governo que teria resultado em um comportamento mais explosivo.

O chefe da equipe econômica afirmou na semana retrasada que, com o dólar baixo, empregadas domésticas viajavam à Disney. “Uma festa danada”, disse.

Dias antes, ele havia chamado os servidores de parasitas, o que provocou a ira do funcionalismo, categoria com forte lobby no Congresso.

Analistas explicaram aos investidores que os arroubos fazem parte da personalidade do ministro e que não devem travar o andamento da agenda econômica, apesar de acrescentarem a ela mais um elemento de dificuldade.

Guedes discute a aprovação das reformas tributária e administrativa, mas, com falta de articulação política e sob pressão de diversos setores, não tem conseguido fazer a pauta avançar.

Em nada contribuiu o novo embate entre o governo e o Congresso, com o general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), sendo flagrado numa transmissão acusando o Legislativo de chantagear Executivo na disputa por dinheiro do Orçamento.

A fala repercutiu mal entre parlamentares, e já há na equipe econômica quem tema pelo futuro das reformas se o embate não for pacificado, o que afetaria ainda mais o ânimo dos investidores.

Segundo Palermo, olhando de fora, o país até tem uma posição mais confortável se comparada à de outros da América Latina, com economias menores ou governos mais a esquerda, como Argentina
—onde a agenda econômica liberal é pouco palatável após a eleição de Alberto Fernández e Cristina Kirchner. Mas isso não o isenta das reformas.

“Não é um cenário catastrófico [para o Brasil]. A instabilidade é mundial. Mas o Brasil terá que fazer o dever de casa e seguir com as reformas se quiser otimismo.”

Redação com Folha