Maioria dos juristas acha que Bolsonaro cometeu crime

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Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o jurista Miguel Reale Junior diz que o apoio do presidente Jair Bolsonaro a atos convocados a seu favor e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) se configura como crime de responsabilidade, passível de perda do cargo. Reale Junior, no entanto, avalia que Bolsonaro não enfrentará, neste momento, um processo de impeachment, por falta de respaldo político ao afastamento.

O presidente encaminhou por WhatsApp vídeos convocando a população para atos contra o Legislativo e o STF em 15 de março, em meio a um embate entre o Congresso e o governo sobre a execução do Orçamento. Antes da articulação dos protestos por movimentos conservadores, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, criticou o Congresso como “chantagista”.

Ex-ministro da Justiça, Reale Junior afirma que, por respeito ao cargo e à Constituição, Bolsonaro deveria repudiar atos contrários às instituições, e diz que “sem dúvida” é uma ação “ilegal” do presidente. “Quando ele divulga essa mensagem, demonstra um desapego profundo às instituições, à classe política. É uma afronta à Constituição”, diz. “É dever do presidente fazer a defesa dos demais poderes. Mas ele se coloca como um ‘salvador’ dos políticos inimigos do povo, que quase morreu para salvar o país de instituições nocivas”. O jurista critica o presidente por fomentar um clima de insegurança jurídica e política, mas pondera que um novo impeachment, depois do afastamento de Dilma e de Fernando Collor de Mello, seria “muito doloroso” ao país.

O professor da Faculdade de Direito da USP Rafael Mafei também avalia que a ação de Bolsonaro se configura como crime de responsabilidade e refuta a tese usada pelo presidente de que as mensagens compartilhadas pelo WhatsApp são de “cunho pessoal”. “Está consolidada a ideia de que a comunicação via WhatsApp tem grande impacto e é muito eficiente para viralizar uma mensagem. É um grande erro querer reduzir isso”, diz Mafei, lembrando da possibilidade de compartilhar mensagens para uma “audiência indeterminada”. “O vídeo encaminhado tem curta duração e mensagem apelativa. É para ser ‘viral’”, diz. “Nenhuma autoridade encaminha uma mensagem [como essa] querendo que ela fique restrita”, afirma.

O jurista reforça que a legislação impõe limites àquilo que os presidentes podem falar e diz que Bolsonaro não pode utilizar seu cargo para incitar ataques a instituições democráticas. Ao classificar a ação como crime de responsabilidade, Mafei diz que é um “padrão de comportamento” do presidente. “É uma demonstração reiterada. Bolsonaro usa seu poder e influência política para dirigir sua base de apoio, seja nas instituições, seja nas ruas”. O professor faz ressalvas a um processo de impeachment, mas diz que o Congresso deveria dar demonstrações de que pode tirar o cargo do presidente, se Bolsonaro continuar a ferir a Constituição. “Seria importante um aceno concreto de que o impeachment é possível”.

O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, diz que “é muito grave e inaceitável” que o presidente use a força do cargo para apoiar atos que ataquem a democracia e as instituições. Para Santa Cruz, se Bolsonaro mantiver declarações e condutas anti-institucionais, seguirá por um “caminho sem saída” e poderá incorrer no crime de responsabilidade no médio prazo.

“Historicamente no Brasil o presidente sempre teve um poder moderador, mas Bolsonaro produz embates, [aposta na] ruptura. Nenhum outro presidente agiu assim desde 1988”, diz. “Exorto Bolsonaro para que se modere e adquira as características necessárias para exercer o cargo. É muito poder para ele usar dessa forma irresponsável”, afirma.

O presidente da OAB diz que a entidade está se articulando com organizações, movimentos populares, partidos, artistas e intelectuais para construir uma frente em defesa da democracia. No entanto, evita falar sobre uma representação contra Bolsonaro ou um pedido de impeachment. “Ninguém construi nada sozinho. É um processo político”, diz. “Mas temos que repudiar todo e qualquer ataque à democracia. A pior coisa é se acostumar e achar que é normal”.

Valor Econômico