Professor de Weintraub na Unesp virou sócio do ministro

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Foto: Reprodução

O ingresso de Abraham Weintraub como professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em 2014, é visto até hoje como um acontecimento controverso, incomum e repleto de características que levantam dúvida sobre sua legalidade.

O ministro quase foi reprovado pela banca examinadora, que despejou comentários como “confuso, bombástico, sem sustentação” para descrever o desempenho do novato no campo da educação. O único professor que deu uma nota superior aos demais, sendo diretamente responsável pela aprovação do ministro, é o mesmo que, logo no primeiro ano de atuação de Weintraub na universidade, tornou-se sócio dos irmãos Abraham e Arthur em um centro de estudos que já lucrou R$ 45 milhões em um único contrato com o governo de Goiás utilizando irregularmente o nome da Unifesp.‌

O chefe do MEC passou por pouco no concurso para professor assistente da disciplina “Aspectos Práticos de Operações de Mercado”, realizado em abril de 2014. Dos 32 concursos realizados pela instituição naquele ano, Weintraub foi o único aprovado com a nota mínima, 7, mesmo sendo candidato único para seu posto. Os outros cinco participantes teriam desistido de prestar a prova.

Na banca, participaram cinco examinadores, todos de instituições diferentes: FGV, PUC, FEA-USP, Mackenzie e Unifesp. Um reprovou Weintraub, dando nota 6, três o avaliaram com 7, a nota mínima. O último, o professor Ricardo Hirata Ikeda, o único da Unifesp, foi quem deu a nota 8.‌

Ikeda entrou na Unifesp em 2011, ano de inauguração do campus Osasco, sendo um dos primeiros professores a compor o quadro docente da instituição. Desde aquela época, ele atua nos conselhos, comissões e presta consultoria na universidade, além de ser membro da Comissão de Bancas e responsável por iniciar o departamento de Ciências Contábeis da universidade, onde Arthur Weintraub depois se tornou coordenador. Com isso, Ikeda esteve a par do processo de abertura dos concursos de Arthur e Abraham Weintraub, além da esposa do ministro, Daniela.

Logo que o ministro ingressou na universidade, Ikeda inaugurou junto com os irmãos Weintraub o Centro de Estudos em Seguridade (CES) – a informação que comprova a participação dos três no CES consta no Lattes de cada um. Na definição que consta no próprio currículo do chefe do MEC – que até hoje atua como diretor executivo do CES – o centro é uma “uma associação civil sem fins lucrativos fundada por professores dos cursos de Atuária e Contabilidade da UNIFESP, que tem como missão a excelência científica e técnica em Seguridade”.‌
Dessa forma, a todo instante, o CES é apresentado como um Centro de Pesquisa de Excelência da Unifesp. Para isso, no entanto, o centro precisaria ser antes aprovado pelo Conselho Universitário (CONSU) e ter acompanhamento de outros órgãos da instituição, como o Conselho de Administração, o que não aconteceu.

“O CES nunca obteve a aprovação e o acompanhamento mencionados. Ele não foi nem sequer apreciado pela Congregação do campus Osasco, órgão máximo de deliberação do campus, quanto mais pelo Conselho Universitários (CONSU) da UNIFESP”, informou um funcionário da universidade, que não quis ser identificado, em entrevista à Fórum.


Por conta da irregularidade no funcionamento do centro dos irmãos Weintraub, a Unifesp abriu uma sindicância em 2018 para investigar o uso indevido do nome da universidade pelo CES. “Essa sindicância interna foi o argumento utilizado pelo Ministro da Educação para afirmar, em audiência na Câmara Federal em maio de 2019, ter sido perseguido politicamente na UNIFESP”, prosseguiu o funcionário.

Em 22 de maio de 2019, pouco mais de um mês após Weintraub assumir o Ministério da Educação a sindicância foi encerrada. A comissão designada para análise do caso comprovou o uso irregular do logotipo da universidade federal pelo CES, mas não aplicou nenhum tipo de punição ao já ministros e seus sócios.‌

“A decisão constante do processo foi a de que adequações fossem realizadas pelos responsáveis com a retirada da logomarca”, diz comunicado no site da Unifesp. Weintraub e os sócios então tiraram o site da empresa do ar.


O CES também é responsável pela edição da Revista Brasileira de Previdência, veículo no qual Weintraub teve seus únicos dois artigos publicados. Com isso, Ikeda e Arthur Weintraub, membros da equipe editorial, foram os responsáveis por aprovar e publicar os textos do ministro. A publicação de artigos em revistas científicas foi um dos fatores avaliados pela banca examinadora do concurso de Abraham Weintraub na Unifesp.

Em 29 de março de 2016, o Centro de Estudos em Seguridade fechou um contrato com o Governo de Goiás, via Secretaria de Gestão e Planejamento, para execução de serviços de recuperação de valores relativos a dívidas de médio e de longo prazos. O contrato foi assinado por Ikeda, Abraham e Arthur Weintraub.


Tal contrato previa uma remuneração que poderia chegar até R$ 45 milhões, de acordo com a taxa de sucesso – conforme consta na cláusula Quinta, inciso II, página cinco – ganho que nunca retornou à Unifesp. “O ministro, seu irmão e colegas (alguns dos quais nomeados por eles para cargos no MEC) utilizaram da Unifesp e de seu prestígio para amealhar vantagens financeiras e oportunidades de negócios. Vantagens sobre o qual a Unifesp nunca foi recompensada, uma vez que o CES se apresentava como um Centro (órgão complementar) a ela vinculado”, contou o funcionário.

“Tal prática de se utilizar da UNIFESP para ganhar dinheiro e exercer a maior parte de sua jornada de trabalho fora da própria instituição, inclusive, em outros estados da Federação, explica a baixa produtividade desses professores, fato que pode ser observado em seus Currículos Lattes. O Ministro, por exemplo, foi aprovado como Mestre em seu concurso em 2014 e, desde lá, nunca desenvolveu, sequer, uma pesquisa de Doutorado. Explica o porquê seu irmão, Arthur, dirigiu uma revista acadêmica, veiculada no próprio site do CES, para publicar, com critérios pouco claros, artigos seus”, continuou.

O concurso de Daniela Weintraub, esposa do ministro, se tornou alvo de uma denúncia na Procuradoria Federal do município de Osasco em fevereiro de 2014, poucos meses antes da prova de Weintraub na instituição. A Fórum está em busca do inquérito civil da denúncia, mas uma funcionária da Unifesp, que também não quis ser identificada, disse em entrevista que acompanhou o processo e que o concurso de Daniela “burlou etapas, teve problemas legais e se aproveitou das fragilidades” do campus Osasco da Unifesp, que na época tinha apenas três anos de existência. De acordo com essa mesma fonte, a denúncia também cita problemas no concurso de Abraham Weintraub.‌

Há ainda o registro de que o concurso do ministro enfrentou resistência para ser aprovado no Conselho Universitário por exigir apenas o título de mestre, e não de doutor.

“O Prof. Murilo pediu licença para interromper a ordem do dia e voltar aos informes para divulgar as notícias do CONSU [Conselho Universitário] e informar que foram aprovados no Conselho de Administração 3 concursos: Formação Científica e Metodologia, Contabilidade Financeira e Aspectos Práticos de Operações de Mercado, porém, o último não conseguiu passar pelo CONSU, pois a titulação de mestre travou a aprovação. Explicou que o C.A já havia aprovado o perfil do candidato com titulação de mestre, mas quando isso ficou esclarecido já não havia mais tempo para o Consu”, diz o trecho da ata de uma reunião da Câmara de Graduação da universidade, em dezembro de 2013.

O Lattes de Weintraub revela que, na época, o ministro tinha acabado de defender sua tese de mestrado em Administração na FGV.

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