Aumentam críticas de militares a Bolsonaro

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

A epidemia do coronavírus vê irromper um novo dissenso entre militares. Pouco a pouco se sucedem e aumentam as críticas à capacidade do presidente Jair Bolsonaro de lidar com a crise. Ainda há uma maioria que o apoia e vê o capitão como melhor do que qualquer “esquerdista”. Ainda que o termo seja usado para designar os governadores Wilson Witzel (Rio) ou João Doria (São Paulo).

“E o Lula? Com ele seria pior”, perguntou um coronel da Aeronáutica. O bolsonarismo é assim: sempre vai lembrar do ex-presidente. É que sem Lula não há Bolsonaro. Há ainda os militares que receberam cargos no governo e com eles salários, importância e benesses que vão além de uma vaga coberta na garagem. Essa turma só desembarcará no dia em que Bolsonaro deixar a Presidência. E olhe lá. Dali, quase nenhuma crítica aparece.

Mas começam a se consolidar lideranças alternativas a Bolsonaro entre os apoiadores do presidente. Seu ex-ministro Santos Cruz é apenas o mais conhecido. Pouco depois da desastrada entrevista que Bolsonaro concedeu com uma máscara cobrindo sua orelha, lá foi Santos Cruz tuitar condenando a “politicagem, fanatismo, fanfarronice”.

 

O general pedia que o governo liderasse. Querer que Bolsonaro lidere alguma coisa é como pedir ao capitão Sobel, de Band of Brothers, que consiga conduzir sua patrulha ao ponto pré-determinado. Sobel cria picuinhas com os subordinados. É desconfiado. Pensa que todos querem lhe passar a perna. Não ouve ninguém. Sempre quer punir alguém pelos seus erros.

Sobel não sabe liderar. O que seriam problemas de caráter na vida civil assumem outra dimensão durante a guerra. Ali é necessário confiar em quem lidera, que deve saber como fazê-lo. O chefe será, no terreno, responsável pela vida de seus subordinados. Na série, estes dão um jeito de remover Sobel. Preferem a liderança do tenente Winters.

“Conheço os generais de Bolsonaro. São todos excelentes líderes e administradores. Dentro dos quartéis”, disse um coronel. Mas eles também estariam “perdidos” no Planalto em funções civis. Enquanto eles e Bolsonaro se preocupavam com o samba-enredo da Mangueira no carnaval, a epidemia de coronavírus fazia milhares de mortes na China. No dia 13 de fevereiro, o jornal publicava que o surto da doença estava apenas começando fora da China.

E o que fizeram os homens do Estado-Maior do Planalto? Algum plano de contenção da doença nas fronteiras? Alguma barreira sanitária foi criada nos portos e aeroportos? Houve compras de emergência ou estímulo à produção de equipamentos como respiradores, máscaras, aventais, luvas, óculos para os profissionais de saúde ou simplesmente testes para a população? Com qual cenário os assessores presidenciais trabalhavam? Era só uma “gripezinha”…

“Não se prepararam para o pior cenário”, disse o coronel Glauco Carvalho, da PM paulista. Por 15 anos ele foi oficial de Estado-Maior em São Paulo. Enfrentou emergências como os ataques do Primeiro Comando da Capital. Trabalhou na assessoria parlamentar da PM em Brasília, onde conheceu o então deputado Jair Bolsonaro. Glauco conclui: “Ele é incapaz de liderar.”

A paciência de Glauco acabou depois da entrevista na qual o presidente chamou a covid-19 de “gripezinha”. A insistência em dividir o País, atacando governadores que compreenderam a gravidade da situação, em nome da esperança de ser reeleito em 2022, mostra a compreensão que Bolsonaro tem do momento. E a importância que dá às vidas de seus concidadãos.

Ao vê-lo na TV sem saber colocar uma máscara no rosto, outro coronel – este do Exército – desabafou para amigos: “Se estivesse no Planalto, entrava na sala do capitão, que não consegue comandar uma patrulha, e lhe dava um esporro.” Glauco mandou aos amigos uma mensagem: diante de Bolsonaro, sentia-se “envergonhado” de ser militar.

Ele e outros militares veem o tempo escoar. Eles prestam atenção às manifestações espontâneas que surgiram contra o capitão. A população em quarentena está com os nervos à flor da pele. Por enquanto, ela voltou seu descontentamento contra Bolsonaro. Os coronéis acham que o rastro de mortes que a covid-19 deixará no País fará de Bolsonaro – para quem tudo não passava de “histeria” – um pária. E suas instituições podem pagar um preço alto pelo apoio que deram ao capitão.

Estadão