Bolsominion da Riachuelo obriga funcionários a trabalhar na pandemia

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Foto: Keiny Andrade/Folhapress

FUNCIONÁRIOS DO ESCRITÓRIO DA RIACHUELO, em São Paulo, estão sendo obrigados a trabalhar presencialmente mesmo com casos confirmados de covid-19 dentro da empresa. O Intercept teve acesso à comunicação interna e a uma mensagem de WhatsApp de uma gerente da empresa. Ela orientou que funcionários voltassem a trabalhar mesmo tendo tido contato com uma pessoa infectada com a nova variedade de coronavírus que se tornou uma pandemia.

Em fevereiro, a rede de lojas de departamento de Flávio Rocha, um dos mais entusiasmados apoiadores de Bolsonaro, enviou uma comitiva de mais de dez pessoas à Europa. Os gerentes e diretores passaram duas semanas em cidades como Barcelona, Londres e Paris, onde já havia transmissão local de covid-19. Na ocasião, funcionários reclamaram da exposição, mas a empresa decidiu manter os planos.

Segundo relato de uma funcionária da empresa que pediu para não ser identificada por medo de represálias internas, uma das pessoas que voltou do tour europeu seguiu o protocolo: passou pela triagem do ambulatório, mas sem apresentar sintomas. Foi liberada para trabalhar normalmente na segunda-feira, dia 9. Dois dias depois, os sintomas de infecção por coronavírus apareceram – e ela recebeu o diagnóstico positivo.

“A empresa foi irresponsável em mandar os funcionários para a Europa, mesmo sob protestos. Foi negligente ao não solicitar que os viajantes fizessem quarentena antes de retornar à empresa. E, agora, estão sendo inconsequentes em promover o agrupamento de pessoas que podem ser vetor do novo coronavírus”, relatou a funcionária.

Então, a Riachuelo decidiu afastar todos os funcionários do departamento e outros que tiveram contato físico com a pessoa doente. São, segundo os relatos, cerca de 20 a 30 pessoas, “incluindo gestantes e pessoas de idade avançada”. A empresa, segundo a funcionária, recomendou isolamento na sexta-feira, dia 13, e ofereceu exames no hospital Albert Einstein, que demoram até cinco dias para ficarem prontos.

Só que a empresa decidiu, depois, transferir aos gerentes de cada área a decisão sobre fazer home office ou não. E alguns começaram a exigir que os funcionários começassem a voltar para o escritório – mesmo sem os resultados dos exames e sem cumprir o período recomendado de isolamento, que é de 14 dias.

Na mensagem, a gerente diz que quem não teve contato com a pessoa infectada deveria voltar imediatamente. Quem teve contato, mas não teve sintomas, deveria voltar entre hoje e amanhã, depois de sete dias longe do escritório. Segundo uma reportagem de 2015, no prédio trabalham mais de 1,3 mil pessoas. Segundo a fonte, as pessoas que foram viajar à Europa seguem trabalhando no escritório.

No fim desta tarde, a empresa anunciou suas medidas de contenção: jornada reduzida, das 8h às 14h, e home office – mas só para os gerentes. São inócuas, já que só o isolamento – e não o contato reduzido – pode impedir a proliferação da doença.

A quarentena é a maior arma contra a rápida disseminação do vírus. Na Itália, a cidade de Lodi fechou escolas, comércio e restringiu circulação de pessoas duas semanas antes de Bergamo, no mesmo país. Resultado: Lodi controlou os casos, enquanto Bergamo entrou em colapso e se tornou o epicentro da crise no país.

Outros funcionários relataram ao jornalista Eduardo Viveiros no Twitter que a fábrica da empresa, que fica em Natal, e as lojas também funcionam normalmente.

Segundo trabalhadores da empresa, numa live restrita no Facebook nesta terça o diretor de recursos humanos, Mauro Mariz, teria dito que a Riachuelo precisa “se preocupar com a saúde de seus colaboradores”, mas também com sua “saúde financeira”.

O Intercept perguntou à Riachuelo se a política de manter os funcionários no escritório se mantém durante essa semana. A empresa afirmou que os casos considerados suspeitos foram encaminhados para avaliação médica, receberam orientação e estão sendo monitorados. “Seguindo as práticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, esses colaboradores ficaram afastados, cumprindo o isolamento orientado pelos órgãos oficiais”, disse a assessoria de imprensa. A empresa não especificou o período de isolamento – o ministério recomenda 14 dias.

A Riachuelo também afirmou que programou home office para “profissionais com condições de efetuar trabalho a distância” e, para os outros, “horários flexíveis”, reduzindo o quadro de funcionários pela metade. “A saúde dos colaboradores é prioridade para companhia e que está tratando a situação com seriedade, responsabilidade e respeito ao próximo, pensando no bem-estar coletivo”, disse a assessoria. A empresa também afirmou que fechou uma das fábricas, em Fortaleza. A de Natal será fechada só na próxima semana, a partir do dia 23.

O dono da Riachuelo, Flávio Rocha, é um dos líderes do grupo Brasil 200, que reúne empresários a favor da política econômica e do governo Bolsonaro. O apoio do grupo ao presidente provocou uma onda de boicote às empresas que fazem parte dele, como Madero, Smartfit e a própria Riachuelo. Em seu manifesto, o Brasil 200 diz ser um grupo de “intelectuais, empresários, formadores de opinião e representantes da sociedade em geral” que “promove valores e princípios que garantem uma sociedade mais justa”. Dá pra ver.

The Intercept