Bolsonaro e governadores continuam em guerra

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Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

O motim de policiais militares no Ceará, equacionado no domingo, expôs ainda mais as dificuldades de convivência de governadores com o Executivo federal e provocou bate-boca nas redes sociais envolvendo o ministro da Justiça, Sergio Moro. A postura do presidente da República, Jair Bolsonaro, que chegou a sinalizar que não prorrogaria o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante o motim, agravou a crise, afirmou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Na opinião do governador, o presidente só recuou porque havia o risco de cometer crime de responsabilidade e o governo federal sabia que o caso chegaria ao Supremo Tribunal Federal.

“O presidente da República atuou muito fortemente para alimentar a crise. E seu ministro da Justiça junto. No instante em que o governador Camilo [Santana] chegava próximo de acordo [com policiais amotinados], ele faz aquela live e diz que não prorrogaria a GLO. Ele [Bolsonaro] adiou por três dias o fim do motim com aquela live. Porque se não tem GLO, o poder dos militares, que era x, virava 10 vezes x.” O governador do Maranhão participou de aula inaugural com mestrandos e doutorandos da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.

Na sua transmissão semanal ao vivo nas redes sociais, na quinta-feira, Bolsonaro sinalizou que não prorrogaria o decreto. “A GLO não é para ficar eternamente, ajudando determinados governadores (…) Apelo ao governador do Ceará que resolva esse problema, que é do seu Estado, negocie com sua PM e chegue a uma solução”, declarou o presidente, na ocasião.

Ex-juiz e ex-professor de direito constitucional, Dino disse o governo federal só cedeu e auxiliou o Ceará por conta da pressão dos demais governadores, que se articularam para mandar policiais de seus Estados para auxiliar Camilo Santana, do PT. “Inclusive do Maranhão e [João] Doria, de São Paulo. Nós mobilizamos mais ou menos 1.500 policiais militares”, revelou.

Segundo Flávio Dino, se isso ocorresse seria algo inusitado: “Uma espécie de federalismo cooperativo horizontal, em que 1.500 policiais militares de vários Estados baixariam no Ceará, na medida em que a União resolveu se abster do cumprimento do seu poder/dever de prover a segurança interna, artigo 85, que é garantir a ordem pública; Lei 1.079, aludindo as duas normas que se referem ao crime de responsabilidade de um presidente”.

A ação coletiva dos governadores e o risco de cometer crime de responsabilidade, sendo enquadrado pelo Supremo Tribunal Federal, foram as causas do recuo de Bolsonaro, segundo o governador do Maranhão. “Isso que fez com que ele prorrogasse a GLO, e mais o sinal de que, com a judicialização, o Supremo prorrogaria.”

Na noite de domingo, os agentes amotinados fecharam acordo com o governo do Ceará para encerrar a paralisação e voltar ao trabalho, sem anistia aos revoltosos. Na madrugada de segunda-feira, o ex-governador do Ceará e candidato à Presidência em 2018, Ciro Gomes (PDT), provocou o presidente e o ministro, nas redes sociais: “Aprende, Bolsonaro e seu capanga Moro: no Ceará está o seu pior pesadelo! Generais, aqui manda a Lei!”.

Poucas horas depois, Moro respondeu: “A crise no Ceará só foi resolvida pela ação do Governo Federal, Forças Armadas e Força Nacional que protegeram a população e garantiram a segurança. Explorar politicamente o episódio, ofender policiais ou atacá-los fisicamente só atrapalharam. Apesar dos Gomes, a crise foi resolvida.”

Ciro prosseguiu e acusou Moro de ter um “papel feio e covarde no motim do Ceará”. O motim policial, que durou 13 dias, teve como ponto mais crítico o episódio envolvendo o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE), que levou dois tiros de um policial ao tentar entrar com uma retroescavadeira no batalhão militar com amotinados, em Sobral.

Após o governo cearense ter selado o acordo com os policiais, sem concessão de anistia, Moro tratou o caso como “greve” e tentou faturar politicamente. “Recebo com satisfação a notícia sobre o fim da greve dos policiais no Ceará. O governo federal esteve presente, desde o início, e fez tudo o que era possível dentro dos limites legais e do respeito à autonomia do Estado. Prevaleceu o bom senso, sem radicalismos. Parabéns a todos”, escreveu.

“A Constituição, pelo menos a minha, que vigora no Maranhão, diz que corpos armados não fazem greve, e por razões óbvias”, criticou Dino, referindo-se às manifestações de Moro pelo Twitter. O episódio do Ceará, na visão do governador, mostrou “virtudes da forma federativa do Estado” e ao mesmo tempo apontou que a visão “anti-federalista do presidente da República é um fator de instabilidade”. “E não por razões doutrinárias, porque é exigir muito dele, mas por razões práticas: há a compreensão de que não é razoável a existência de contrapoderes em nível nacional.”

Ontem, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também mencionou o motim policial, mas sob outro aspecto: a preocupação com o aumento salarial concedido por Minas Gerais a servidores da área de segurança pública. Em viagem a Belo Horizonte, onde deu uma palestra a empresários mineiros, Doria afirmou que a decisão do governador Romeu Zema (Novo) coloca sob pressão os demais governadores a também atenderem pleitos de suas polícias.

“A meu ver é uma decisão que precisa ser revista. Minas não tem condição fiscal para isso. Não quero interferir nos termos de Minas, mas a minha percepção é que ela não é boa, que ela é inviável”, afirmou. Zema propôs aumento de 41,7% dos vencimentos de policiais militares, policiais civis, agentes penitenciários e agentes socioambientais. Não é uma medida que afeta apenas Minas Gerais afeta o país. Somos 27 Estados e a medida de Minas, se adotada for, ela coloca sob pressão todos os demais governadores”, reiterou o tucano.

Valor Econômico