Congresso e Planalto querem prorrogar MP’s

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Foto: Andre Coelho/Getty Images

Para evitar que MPs (medidas provisórias) caduquem em meio à crise do coronavírus, Planalto e Congresso se juntaram para prorrogar o prazo de validade dos textos, em ação coordenada que conta com o respaldo, ainda que não oficializado, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na noite de segunda-feira (23), o governo pediu à corte a suspensão do prazo de validade das MPs editadas pelo presidente Jair Bolsonaro. Integrantes do Executivo afirmam que a medida foi elaborada em consonância com a cúpula do Congresso.

O anúncio foi feito quase uma semana depois de o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sugerir que esse deveria ser o caminho adotado pelo governo para evitar que os textos perdessem o efeito.

Uma MP tem força de lei e validade de 60 dias, prorrogável por igual período. Ele precisa ser validada pelo Congresso —caso contrário, caduca. Há suspensão dos prazos durante o recesso do Legislativo.

O pedido inicial do governo é para que a contagem do prazo seja suspensa inicialmente por 30 dias, conforme ocorre no recesso parlamentar.

Além do governo, o PP, um dos partidos do chamado centrão da Câmara, acionou o STF para pedir a suspensão dos prazos. Na justificativa, a legenda diz que as MPs que estão hoje “condenadas à morte” por causa da proximidade do fim de prazo são assuntos que interessam à sociedade.

A ação coordenada atinge vários objetivos ao mesmo tempo. Ao público, passa a imagem de que os Três Poderes, que passaram por forte tensão nas últimas semanas em meio a declarações de Bolsonaro, estão unidos no enfrentamento da pandemia.

Essa imagem de união, no entanto, ficou arranhada depois do pronunciamento de Bolsonaro na noite desta terça-feira (24), no qual criticou o fechamento de escolas, atacou governadores e culpou a imprensa pela crise.

Maia classificou o discurso como equivocado, enquanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que “o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população”.

A suspensão do prazo das MPs também atende a interesses de Executivo e Legislativo. Como o Congresso está focado em debater e votar propostas voltadas ao combate à crise do coronavírus, o governo ganha tempo para que a situação se normalize e os parlamentares possam apreciar matérias que o Executivo considera importante para resolver a situação fiscal do país.

Duas dessas MPs caducariam nas próximas semanas: o fim da exclusividade da Casa da Moeda para fabricação de papel moeda e passaporte, que expira em 14 de abril e abre caminho para privatizar a estatal; e a do emprego Verde e Amarelo, que reduz encargos para empregadores e perde validade em 20 de abril.

Para o Congresso também é interessante suspender o prazo. Se as MPs perdessem a validade, isso poderia ser usado pelo governo em uma narrativa de que o Legislativo engessa o Executivo e impede Bolsonaro de adotar as medidas que julga necessárias em sua gestão. Apoiar a suspensão, portanto, ajudaria a evitar confrontos com o Executivo.

Para o líder do Cidadania na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), a decisão é um aceno do Legislativo ao governo. “Para não criar um clima de insegurança, estamos de acordo com a suspensão e buscamos alternativas para ampliar prazo”, afirmou.

“Queremos colaborar com o governo para que as medidas continuem em vigor e sejam analisadas devidamente pelo Congresso”, complementou.

Em paralelo, o Congresso estuda maneira de acelerar o rito das medidas provisórias, afirmou o presidente da Câmara em entrevista à GloboNews nesta terça-feira.

Ao citar o texto que muda as regras de atendimento à Lei de Acesso à Informação durante a crise do coronavírus, Maia defendeu a adoção de um rito sumário para MPs, em que as medidas não precisassem passar por comissão mista e fossem direto para o plenário de Câmara e Senado.

“Porque é exatamente essa preocupação. Algumas matérias talvez o governo vá além do necessário e a gente precisa, nesse caso, num momento de crise, que a tramitação das MPs seja mais rápida para que a gente coloque logo no plenário e ajuste aquilo que tem de excesso nessa ou em qualquer coisa medida provisória.”

A adoção do rito sumário, no entanto, não é consenso. A mudança só poderia ser feita por meio de uma mudança na Constituição, o que pode demorar mais que a própria pandemia. Mas o tempo não é o único fator apontado por quem se opõe à medida.

A presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), defende que as medidas passem por comissão mista. Segundo ela, é nesse colegiado que os parlamentares retiram trechos estranhos aos textos enviados e que distorções são corrigidas.

Ela apoia a suspensão temporária de prazo por 30 dias e uma flexibilização na quarentena para que parlamentares que não se enquadrem em grupo de risco possam ir ao Congresso votar.

“Não consigo ver o Congresso Nacional fechado por três meses, votando por todo este tempo virtualmente”, afirmou a senadora. “Nem que a gente faça plantão, não viaje toda semana. Ficamos [em Brasília], trabalhamos três semanas presencialmente, voltamos para casa uma semana, trabalhando virtualmente.”

Embora ainda não tenha sido apreciada no STF, a suspensão do prazo recebeu sinalização positiva do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, em conversa com empresários ligados à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) nesta terça.

Segundo Toffoli, falar na palavra “recesso parlamentar parece que a gente está fechando o Congresso”, mas “não é disso que se trata”. “O pedido que eles apresentam é de considerar os próximos 30 dias para efeito de validade de medida provisória como se fosse um recesso porque quando há recesso o prazo da MP não conta. Então, é estender o prazo.”

Toffoli disse que a pauta deve ser levada ao plenário de maneira célere. O pedido da AGU está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes.

O presidente do STF também sinalizou que outros acordos entre os Poderes estão sendo costurados por conta da crise. Nesta semana, Maia recebeu minuta de proposta de ritos para acelerar a análise de pedidos e ações judiciais relacionados à pandemia. Segundo Toffoli, decisões “desarrazoadas” que suspendam a produção essencial ou o transporte da produção do país devem ser analisadas de forma rápida.

O que são as MPs? Medidas provisórias são normas editadas pelo presidente da República que têm força de lei. Elas, no entanto, têm validade determinada e precisam ser avalizadas pelo Congresso para não perderem a eficácia.

Qual o prazo de validade uma MP? Atualmente uma MP tem validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 caso não tenha sido votada pelas duas Casas do Congresso —Câmara e Senado— nesse período.

Qual a ordem de tramitação? A MP começa a ser analisada em uma comissão mista, formada por 12 deputados e 12 senadores. Se aprovada, vai ao plenário da Câmara e depois ao do Senado. Caso este aprove o texto com modificações, ele retorna à Câmara, que acata ou rejeita as mudanças.

O que o governo Bolsonaro quer mudar? A Advocacia-Geral da União pediu nesta terça-feira (24) ao Supremo Tribunal Federal que a contagem do prazo das MPs seja interrompida por 30 dias.

Qual a justificativa do pedido do governo? A crise do coronavírus. Segundo a AGU, a pandemia levou o Congresso a uma “situação de excepcionalidade”, com sessões virtuais e votações a distância. O órgão alega que Câmara e Senado tiveram seu funcionamento reduzido, o que aumenta o risco de MPs consideradas importantes para o Planalto perderem a validade.

Quais MPs são citadas no pedido com risco de perderem a validade? Entre as medidas provisórias que a AGU cita estão as seguintes:

MP 899: estabelece critérios para a regularização de dívidas tributárias e para resolver conflitos entre contribuintes e a União; está no Senado e vence nesta quarta-feira (25)

MP 901: transfere ao domínio dos estados de Roraima e do Amapá terras pertencentes à União; está na Câmara e vence no próximo domingo (29)

MP 902: acaba com a exclusividade da Casa da Moeda na fabricação de papel-moeda, de moeda metálica e de cadernetas de passaporte, entre outros; está em comissão mista e vence no dia 14 de abril

MP 905: Cria a Carteira Verde e Amarela, programa de incentivo à contratação de jovens; está na Câmara e vence no dia 20 de abril

Folha