Enfraquecido, Bolsonaro tem que “convencer” subordinados

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Foto: Adriano Machado/Reuters

Luiz Henrique Mandetta é um dos jogadores escalados pelo “técnico” Jair Bolsonaro para jogar no time do governo que entrou em campo em janeiro do ano passado para acabar com a mamata, com a velha política e com a incompetência e roubalheira petista na máquina pública.

Em Brasília, vira e mexe alguém diz que o presidente teve que convencer o ministro X ou Y a adotar determinada medida. Só que presidente não pede nem convence, presidente manda. No caso do ministro da Saúde, desde que a crise do coronavírus transformou-se numa espécie de meteoro a caminho do Brasil, o presidente perdeu a prerrogativa de mandar, perdeu força.

Bolsonaro discorda com todas as suas energias do trabalho de Mandetta, mas não pode demiti-lo. Até pode, mas segundo seus auxiliares palacianos, ainda tem juízo para não fazê-lo em plena pandemia de coronavírus. Nas contas de Bolsonaro, Mandetta demitido seria o começo de uma outra crise de final incerto. A saída do ministro levaria outros técnicos da pasta a seguirem o mesmo caminho. Um desastre.

Sem tinta na caneta para cortar cabeças, o presidente limita-se a sabotar seus desafetos. O técnico do time já não treina nem é ouvido em campo. A sabotagem contra Mandetta, que um dia antes havia defendido com todas as forças o isolamento social como estratégia de combate ao vírus, foi o único objetivo do passeio de Bolsonaro por cidades humildes do Distrito Federal no domingo.

Além de gastar gasolina do seu gigantesco comboio, o presidente nada fez de relevante. Arriscou-se, como bem disse o governador do DF, Ibaneis Rocha, ao Radar, a pegar o coronavírus. Arriscou dezenas de curiosos a pegarem a doença do seu staff. Afinal, Bolsonaro tem pelo menos 23 auxiliares diagnosticados com coronavírus. O risco de novos casos não pode ser descartado.

Como técnico do time, Bolsonaro experimenta a sensação do “professor” que, por indisciplina, é expulso de campo e tem de ver da arquibancada os jogadores atuando. Os jogadores decidiram resolver tudo em equipe, na ausência de técnico, como mostra as posições solidárias a Mandetta de algumas estrelas do ataque, como Sergio Moro e Paulo Guedes. Além deles, os governadores resolveram se reunir, acionaram relações com suas bancadas no Congresso, e vão tocar a agenda da crise. O presidente, na arquibancada, pode começar a apoiar o time, mas só. Já não está em campo.

Foi da arquibancada que Bolsonaro, em nova tentativa de demonstrar força, mudou a posição de Mandetta no jogo nesta segunda. O ministro comandava uma coletiva diária com técnicos da Saúde. Era o momento de contar mortos e infectados e tentar passar alguma confiança à população de que algo estava sendo feito. Era visibilidade demais no time do capitão.

Por determinação de Bolsonaro, a pedido de sua equipe de comunicação, tudo mudou. A partir de agora, o chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, comandará o espetáculo que contará com outros ministros. Mandetta será só mais um. E falará por último, como ficou evidente nesta segunda. Bolsonaro poderia comandar a reunião, mas inviabilizou-se por não concordar com nada que o time faz em campo.

A dinâmica da coletiva diária do governo agora terá orientações para evitarem perguntas incômodas. Nesta segunda, o ministro da Saúde foi questionado sobre o passeio de Bolsonaro. A coletiva foi encerrada sem que ele tivesse tempo de responder. Mandetta, claro, não perdeu a oportunidade e abriu um sorriso diante da cena. Antes, Mandetta já havia sido cortado por Braga Netto ao ser questionado sobre sua possível demissão. O ministro da Casa Civil se apressou em dizer que não “existia” possibilidade. Mandetta retrucou: “Tensões são normais”.

O ministro da Saúde avisou que enquanto estiver no cargo vai trabalhar com a ciência. Em outras palavras, ignorando o presidente e seus palpites de treinador do time. Diante de mais um dia de sabotagem no trabalho dos técnicos do governo, um auxiliar de Mandetta resumiu o espírito da equipe na guerra ao coronavírus e contra as armadilhas do Planalto: “Vamos assim, um dia de cada vez”.

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