Filho de Bolsonaro pôs Brasil e China em crise

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Foto: Alan Santos/PR

À negação sobre a gravidade da pandemia causada pelo novo coronavírus, somou-se a resistência do presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a fase crítica em que se encontravam as relações entre o Brasil e a China. No meio diplomático, contudo, não houve autoengano. Até Bolsonaro finalmente conseguir completar a ligação telefônica para Pequim, enfrentávamos um dos pontos mais baixos das relações bilaterais desde que elas foram estabelecidas, em 1974.

Isso não é pouco e ambos os lados tinham a perder com um eventual distanciamento. A China, como se sabe, é o principal parceiro comercial brasileiro, mas há semanas poderia ter ampliado sua atuação para uma área hoje fundamental no enfrentamento da covid-19: a venda de equipamentos e suprimentos médico-hospitalares ao Brasil. Não fosse, claro, a crise provocada por uma publicação nas redes sociais pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) responsabilizando a China pelo avanço do coronavírus.

Relações com a China enfrentaram momento crítico

A mensagem foi rebatida de forma desproporcional pelo embaixador chinês, Yang Wanming, e seguida por uma réplica do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Bolsonaristas reagiram rápido nas redes sociais, alimentando as teorias conspiratórias emanadas pela família presidencial. Felizmente o pragmatismo retornou à mesa, mas ainda é incerto o resultado prático da retomada do diálogo em alto nível.

A insatisfação da chancelaria chinesa com o governo Bolsonaro já havia sido transmitida ao Ministério da Saúde muito antes desse episódio. O objeto do ruído inicial foi o fornecimento de imunoglobulina, substância fundamental para o tratamento de pacientes com deficiência no sistema imunológico. O problema se deu porque autoridades sanitárias estavam pretendendo barrar a exportação desse produto para o Brasil por uma empresa chinesa.

Segundo relato de uma autoridade que esteve no epicentro da crise, o governo começou a enfrentar problemas com seu único fornecedor de imunoglobulina, uma empresa nacional, justamente no momento em que o Ministério da Saúde já começava a tentar se preparar para a chegada e para o avanço da covid-19 no Brasil.

Em seus contatos com os principais infectologistas do país, autoridades do Executivo passaram a receber pedidos para que se aumentassem os estoques de imunoglobulina. Afinal, além da previsão de usá-la no combate aos danos provocados pelo coronavírus, a imunoglobulina também precisaria estar sempre à mão para o tratamento de pacientes que desenvolvessem a síndrome de Guillain-Barré por causa da chikungunya.

Os estoques de imunoglobulina já estavam baixos, o mosquito Aedes Aegypti não oferece trégua e o coronavírus a cada dia se tornava uma ameaça maior. Não bastasse, a empresa vencedora da licitação para a venda de imunoglobulina informou o Ministério da Saúde que não conseguiria mais entregar o produto ao preço habilitado na concorrência.

Como não poderia ser diferente, os órgãos de controle proibiram o governo de pagar mais do que o preço previsto no contrato. A reposição dos estoques passou a ser feita a conta gotas e, depois de ver seu fornecedor inabilitado, o Ministério da Saúde começou então um esforço para encontrar alternativas.

“Faz-se licitação e deu vazia ou ganha um cara que não tinha capacidade de entregar o quanto o Brasil queria. O único que conseguia quantidade não queria colocar preço”, relatou uma autoridade, lembrando que há poucos fabricantes desse hemoderivado no mundo.

Foi feita, então, uma provocação formal pedindo a realização de uma compra internacional à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que não comenta oficialmente o caso e o trata como um assunto sigiloso.

Diante do fato de que algumas dessas empresas estrangeiras não têm registro no Brasil, foi exigido ao governo que as companhias participantes da concorrência internacional possuíssem uma certificação específica. E foi aí que o primeiro embate entre os dois países ocorreu: uma empresa chinesa venceu, mas as autoridades sanitárias tentaram impedir a compra alegando que a procedência do material seria duvidosa.

Esse posicionamento enfureceu a chancelaria chinesa. “A embaixada chinesa reclamou. Disse que o necessário era ter a certificação e ela tinha. Virou um impasse”, contou a fonte, recordando que, enquanto isso, os estoques continuavam a ser consumidos. Integrantes do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União foram acionados pelo Executivo para que o impasse pudesse ser resolvido e a compra, liberada.

A área da saúde ainda não é um tema central na agenda sino-brasileira, mas ambos os lados têm a ganhar se houver uma evolução nesse status, mesmo que ela se torne objeto da disputa comercial entre a China e os Estados Unidos.

Nos últimos meses, o governo Bolsonaro se indispôs com aliados históricos europeus ou sul-americanos. Muitas vezes reproduziu ao Sul do Equador a retórica agressiva do presidente americano, Donald Trump. Mas, diferentemente de Trump, Bolsonaro ainda não está formalmente disputando a reeleição. Precisa ter como prioridade governar e, sempre que tiver dúvidas, recordar do slogan que levou o aliado ao poder: a América virá primeiro.

Os doentes brasileiros e seus familiares seguramente agradecerão se tiverem acesso a respiradores ou outros produtos de saúde “made in China”, feitos por empresas americanas ou de qualquer outro país, desde que esses fabricantes respeitem os padrões internacionais do setor.

A pandemia impõe um novo comportamento ao brasileiro, que está isolamento para tentar conter o avanço do vírus. Fronteiras foram fechadas. A exportação de produtos considerados essenciais foi proibida, num movimento pontual correto para garantir o abastecimento nacional. Mas isso não deve ser usado como subterfúgio por quem pretende, no futuro, continuar adiando a abertura da economia. O Brasil não poderá ficar eternamente em quarentena.

Valor Econômico