Ministério da Defesa defende golpe militar de 1964

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Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Em ordem do dia alusiva aniversário do golpe que instaurou a ditadura militar há 56 anos, o Ministério da Defesa afirma que “o movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira”.

“Mais pelo que ele evitou”, completa o ministro da pasta, general da reserva Fernando Azevedo, que assina a ordem sobre o 31 de março com os comandantes do Exército, da Marinha e da Força Aérea Brasileira.

O tom de defesa da ditadura é mais incisivo do que em documento análogo divulgado no ano passado, o primeiro do gênero no governo de Jair Bolsonaro, um capitão reformado do Exército conhecido pela apologia à que faz ao regime dos generais.

Como em 2019, o texto afirma que 1964 pertence à história e que o momento dos militares é outro. “As Forças Armadas acompanharam as mudanças” e “estão submetidas ao regramento democrático com o propósito de manter a paz e a estabilidade”.

O texto busca contextualizar a visão majoritária entre militares acerca do golpe e, previsivelmente, não ressalta o caráter autoritário do regime, a falta de liberdade civis ou a tortura.

“O entendimento de fatos históricos apenas faz sentido quando apreciados no contexto em que se encontram inseridos”, afirma o texto, citando que a Guerra Fria, na qual o mundo era disputado pela dicotomia entre a liderança dos EUA e da União Soviética.

“As instituições se moveram para sustentar a democracia, diante de pressões de grupos que lutavam pelo poder. As instabilidade recrudesciam e se disseminavam sem controle”, diz o texto, sem citar nominalmente as disputas do governo João Goulart, que adernava à esquerda e gerava temores de infiltração comunista em diversos setores.

“A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram”, continua a ordem do dia, afirmando que as Forças Armadas assumiram a responsabilidades “com todos os desgastes previsíveis”.

A anistia de 1979 é novamente citada como marco da “pacificação” do país, enquanto países que buscaram vias “utópicas”, ou seja, o socialismo, “ainda lutam para recuperar a liberdade”. “Hoje os brasileiros vivem em pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas”, diz o texto.

A nota vem em momento de grande ansiedade nos meios militares com a evolução da crise política do governo Bolsonaro, cujo isolamento foi ampliado pela sua condução beligerante da emergência sanitária do novo coronavírus.

Após o polêmico protesto que pedia o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal no dia 15 de março, que teve o incentivo e a participação do presidente, começaram a circular chamamentos anônimos na internet para um novo ato nesta terça.

A associação contrariou a cúpula militar da ativa, que não quer ser interposta no que considera uma disputa política entre o presidente e governadores, no caso de as Forças Armadas serem chamadas para restaurar a ordem se houver degradação da estabilidade social devido à pandemia —como saques ou manifestações descontroladas.

O presidente, por sua vez, já sugeriu que pode haver baderna devido à crise econômica decorrente da pandemia e se recusou em entrevista dizer se daria um golpe de Estado. “Quem quer dar o golpe jamais vai falar que vai dar”, afirmou ao apresentador José Luiz Datena.

A questão do golpe de 1964 é extremamente contenciosa para os militares. Desde a redemocratização de 1985, os fardados acabaram eclipsados da vida política, restrito a quartéis.

As gerações de militares formadas sob a ditadura aos poucos foram dando espaço àquelas que ascenderam após a redemocratização de 1985, mas a visão corrente no oficialato é que os sucessivos governos de opositores ao regime de 1964 geraram uma distorção histórica.

Para eles, a esquerda dominou a narrativa e o risco de uma radicalização comunista sob Goulart acabou sendo extirpada da versão oficial. A ascensão ao poder de um apologista da ditadura, Bolsonaro, jogou novamente os holofotes para o setor, já que o ministério é amplamente ocupado por egressos das Forças.

Assim, o presidente ofereceu uma oportunidade e um risco em relação a 1964 para os militares.

A chance de falar mais abertamente foi encampada por Azevedo na nota do ano passado, para a qual o movimento militar foi uma reação aos “anseios da população brasileira”. Ante o risco de emular o chefe e fazer uma defesa explícita do regime, a nota enfatizou o caráter histórico e saudou a volta da democracia.

Com isso, o ministro buscou driblar a polêmica de então, já que Bolsonaro havia ordenado que os quartéis comemorassem o dia do golpe, algo que acabou objeto de uma disputa judicial —ao fim, eventos alusivos à data foram permitidos.

LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA

Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964

Brasília, DF, 31 de março de 2020.

O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. O Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época.

O entendimento de fatos históricos apenas faz sentido quando apreciados no contexto em que se encontram inseridos. O início do século XX foi marcado por duas guerras mundiais em consequência dos desequilíbrios de poder na Europa. Ao mesmo tempo, ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico ameaçavam as liberdades e as democracias. O nazifascismo foi vencido na Segunda Guerra Mundial com a participação do Brasil nos campos de batalha da Europa e do Atlântico. Mas, enquanto a humanidade tratava os traumas do pós-guerra, outras ameaças buscavam espaços para, novamente, impor regimes totalitários.

Naquele período convulsionado, o ambiente da Guerra Fria penetrava no Brasil. Ingredientes utópicos embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engodos que atraíam até os bem-intencionados. As instituições se moveram para sustentar a democracia, diante das pressões de grupos que lutavam pelo poder. As instabilidades e os conflitos recrudesciam e se disseminavam sem controle.

A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis.

Aquele foi um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram. Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo.

A Lei da Anistia de 1979 permitiu um pacto de pacificação. Um acordo político e social que determinou os rumos que ainda são seguidos, enriquecidos com os aprendizados daqueles tempos difíceis.

O Brasil evoluiu, tornou-se mais complexo, mais diversificado e com outros desafios. As instituições foram regeneradas e fortalecidas e assim estabeleceram limites apropriados à prática da democracia. A convergência foi adotada como método para construir a convivência coletiva civilizada. Hoje, os brasileiros vivem o pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas.

As Forças Armadas acompanharam essas mudanças. A Marinha, o Exército e a Aeronáutica, como instituições nacionais permanentes e regulares, continuam a cumprir sua missão constitucional e estão submetidas ao regramento democrático com o propósito de manter a paz e a estabilidade.

Os países que cederam às promessas de sonhos utópicos, ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres.

O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou.

Fernando Azevedo e Silva – Ministro da Defesa

Ilques Barbosa Junior – Comandante da Marinha

Edson Leal Pujol – Comandante do Exército

Antônio Bermudez – Comandante da Aeronáutica

Folha de S. Paulo