Neoliberais temem que naufrágio econômico beneficie esquerda

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Foto: Reprodução

Já vamos para quatro anos desde o impeachment de Dilma Rousseff, quando houve a substituição de sua “nova matriz econômica”, de resultados catastróficos, por medidas bem ao gosto da direita: austeridade fiscal, flexibilização de direitos e incentivo ao setor privado.

Mas crescimento robusto que é bom, até agora, nada. A última decepção veio na semana passada, com a modesta alta de 1,1% do PIB em 2019, o primeiro ano sob a gestão do ultraliberal ministro Paulo Guedes (Economia).

Esse cenário tem feito parte da direita dar uma fraquejada. Vozes como as de Rodrigo Maia (presidente da Câmara) e Mansueto Almeida (secretário do Tesouro) foram ouvidas defendendo maior participação do Estado no estímulo à economia. Será possível a volta do intervencionismo keyenesiano, que parecia morto e enterrado?

Conversei nesta segunda (9) com três jovens liberais a respeito desse cenário e do atual estado do liberalismo em geral.

Todos na faixa dos 20 anos, definem-se como defensores de um Estado enxuto, mas distante do radicalismo dos chamados adeptos da Escola Austríaca, que ganhou popularidade no Brasil nos últimos anos.

Eles têm ojeriza à defesa de uma sociedade sem Estado, como os mais extremistas entre os extremistas, que se definem como anarcocapitalistas, pedem.

Suas referências são o reformismo dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Michel Temer (2016-19), além de economistas como Henrique Meirelles e Marcos Lisboa (a quem aliás, idolatram, chamando-se com orgulho de “lisboistas”).

“Cinco anos atrás, a gente seria considerado de direita. Hoje, a coisa mudou tanto que nos veem como de centro”, diz Matheus Hector, 24, economista formado pelo Instituto Insper (onde Lisboa é diretor).

Ele acha impossível o retorno aos velhos tempos de economia subsidiada como na era PT, até porque não há dinheiro para isso. Mas teme uma inflexão no discurso.

“Seria impossível voltar com uma pauta de aumento do gasto público, mas pode colar um discurso na linha de que, se a direita não consegue entregar [crescimento], vamos tentar com a esquerda de novo”, afirma.

Lucas Favaro, 25, mestrando em teoria econômica pela FEA-USP, teme que o populismo de esquerda ganhe força. Já há quem defenda claramente a revogação do teto do gasto público, por exemplo, uma das principais medidas adotadas na gestão Temer.

“O discurso atraente de um cara como o Ciro Gomes [PDT] tem muita força”, diz Favaro, para quem é injusto colocar apenas nas costas de Guedes a culpa pelo baixo crescimento.

“A economia brasileira parou de crescer há 40 anos, quando parou de crescer a produtividade, que só retornará com as reformas econômicas”, afirma.

Dhyelson Almeida, 28, que cursa mestrado em história econômica também na FEA-USP, se diz preocupado com as consequências do descrédito das políticas econômicas liberais. Embora apoie de forma geral a agenda de Guedes, ele culpa o estilo do ministro pelo fato de as reformas estarem patinando.

“O Guedes tem uma postura de atrito que o Henrique Meirelles não tinha, e por isso conseguia aprovar tanta coisa no Congresso”, afirma Almeida, para quem Temer foi o “melhor presidente da década, por ter feito reformas sensacionais”.

Privatizações, reformas administrativa e tributária e desvinculação de receitas orçamentárias são algumas das pautas econômicas que os três defendem.

Mas também dizem que deve haver ênfase na área social, até para não ser uma agenda sequestrada pela esquerda.

“Tem um estereótipo de que os liberais não têm preocupação social. Isso é falso, como mostram as propostas de participação privada na educação, que têm sido cada vez mais aceitas”, afirma Almeida, que se define como um “radical de extremo-centro”.

O liberalismo no Brasil atualmente está longe de ser um monolito, e lembra a divisão da esquerda em muitas situações.

Hector, Favaro e Almeida se definem como liberais “mainstream”, e nessa condição repetem críticas ácidas que geralmente são direcionadas aos defensores do Estado mínimo (ou até da ausência de Estado), representados pela Escola Austríaca.

Os “austríacos” têm esse nome porque se baseiam sobretudo nos escritos de pensadores como Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, além de seguidores como o americano Murray Rothbard.

“Eles nos chamam de social-democratas”, diverte-se Hector, apenas porque admitem a existência de instituições como Banco Central e agências reguladoras.

“São adeptos de uma pseudociência”, dispara Favaro, para quem os economistas da Escola Austríaca estão mais preocupados com considerações filosóficas sobre como a sociedade deve se comportar do que com dados econômicos, números e estatísticas.

Almeida administra a página “Liberais antilibertários” no Facebook, que dá bem a medida de sua rejeição ao radicalismo (libertários são bastante críticos das instituições de Estado). Já Favaro tem a página “Economia mainstream”.

Além da agenda de Guedes, pouca coisa se salva no governo Bolsonaro, dizem eles.

Sobram alguns elogios para ministros mais técnicos, como Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Tereza Cristina (Agricultura), e críticas para os ideológicos, como Abraham Weintraub (Educação), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Ernesto Araújo (Relações Exteriorer).

Sergio Moro (Justiça) é visto como bem intencionado, mas tímido, por não estar conseguindo implementar reformas como se esperava.

Mas a grande surpresa é Damares Alves (Direitos Humanos). “Achávamos que ela ia ser folclórica, mas está fazendo um trabalho sério”, diz Hector.

Redação com Folha