Projeto da ONU prepara jovens na Cidade de Deus

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Foto: Guilherme Pinto/Agência O Globo

Um projeto com chancela da ONU está mudando a vida de adolescentes e jovens adultos na Cidade de Deus, ao abrir-lhes as portas do mercado de trabalho. Implantado há três anos na comunidade, o programa Vencer oferece gratuitamente cem horas de curso técnico de auxiliar administrativo a jovens da comunidade e de bairros vizinhos. Nas aulas, são ensinadas funções típicas de um escritório, como elaboração de planilhas e arquivamento de documentos, além dos fundamentos da informática.

Para 2020, há previsão de abertura de 60 vagas, com início das aulas em maio. Este ano, apenas jovens de 16 a 24 anos, do sexo feminino, poderão participar, exigência de um dos patrocinadores, a ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas voltada para a promoção da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres.

Lançado em 2006 pelo Instituto Companheiros das Américas, rede internacional de ONGs na América Latina, o projeto, nascido no Brasil, já foi replicado em 19 países da região. Em janeiro, o Vencer foi apresentado na sede da ONU em Viena, na Áustria, durante uma convenção internacional para tratar sobre violência juvenil.

— O projeto foi apresentado como um case de sucesso. Isto foi importante pela possibilidade de integrarmos um rol muito seleto de iniciativas internacionais chanceladas pelas Nações Unidas como bem-sucedidas nessa área de educação, geração de oportunidade e consequentemente, combate à violência entre jovens — comemora Alan Maia, gestor do projeto.

Além de oferecer cursos voltados para aumentar a empregabilidade, o Vencer utiliza o futebol para promover o desenvolvimento de habilidades comportamentais. Os jogos acontecem na quadra comunitária da CDD.

— Trabalhamos com o que chamamos de life skills, ou seja, seis habilidades para a vida: comunicação, respeito, foco, resultado, autodesenvolvimento e disciplina. Qual é o pressuposto? Que essas habilidades são importantes tanto em campo quanto no ambiente profissional — detalha Maia.

Os interessados no projeto, que este ano também conta com o patrocínio da Nike, são submetidos a um processo seletivo antes de iniciarem as aulas. Uma vez aprovados, recebem material e uniforme.

Morador da Cidade de Deus, Caio de Oliveira, de 18 anos, participou da turma de 2018 do Vencer, após descobrir a existência do projeto pelo Facebook. Hoje auxiliar administrativo de um hotel no Recreio, ele acredita que não teria conseguido a vaga sem as aulas no currículo.

— O curso ajudou no meu crescimento como cidadão. Sem o projeto, estaria como a maioria das pessoas, catando entrevista de emprego, vendo o que está mais próximo de mim, como ajudante de pedreiro, fazendo bico aqui e ali — diz.

Foi durante as aulas do Vencer que Lorrana dos Santos, também moradora da CDD, aprendeu a utilizar o computador para além da internet. Trabalhando como operadora de caixa em um supermercado, ela diz que indica o curso a conhecidos sem perspectiva de conseguir emprego.

Para o futuro, a jovem de 26 anos planeja retornar à faculdade de Educação Física, trancada por falta de dinheiro. E sonha alto:

—Quero ter meu próprio negócio, gerenciar, ser a dona. Mas ainda não sei o que seria.

Com uma atuação consolidada há mais de 30 anos na Zona Norte, o Camp Mangueira, instituição que busca inserir jovens de áreas de risco no mercado de trabalho, é outro que aposta na formação de talentos na região: desembarcou no segundo semestre do ano passado na comunidade Beira-Rio, no Recreio. A partir do dia 18, moradores do local e de bairros vizinhos poderão se inscrever para a segunda turma do Programa de Integração ao Mundo do Trabalho (Pimt), um curso gratuito.

As aulas, de português e de noções de tarefas administrativas, tecnológicas e financeiras, são ministradas na capela São José.

— Eu já tinha um trabalho social dentro da Beira-Rio, e identificamos essa demanda muito próxima da que vemos na Mangueira por parte de jovens em início de carreira. Queremos viabilizar oportunidades para a comunidade e para todas as empresas da região da Barra que precisam contratar aprendizes. O jovem, que já estuda perto de casa, participa do Pimt dentro da comunidade e é encaminhado para o processo seletivo de uma empresa na região. Quando admitido, todos ganham — diz Sylvia Terra, uma das diretoras do Camp Mangueira.

Dos 11 formandos da turma inaugural do projeto na Beira-Rio, Ezequias Freitas, de 17 anos, foi o primeiro a conquistar uma vaga de jovem aprendiz. No dia 14 de fevereiro, ele começou como aprendiz de auxiliar administrativo no setor de recursos humanos da BCF, administradora de condomínios parceira do projeto e sediada no Downtown.

Estudante do 3º ano do ensino médio, Ezequias festeja o primeiro emprego.

— Fico muito feliz por ter tido a oportunidade de entrar no mercado tão novo e sem nenhuma experiência, graças ao projeto — diz.

O Camp Mangueira também poderá abrir vagas na Beira-Rio para cursos em áreas como comércio e varejo, logística, turismo e hospitalidade, teatro e montagem e manutenção de computadores. Para viabilizar as novas turmas, porém, precisa que haja uma demanda de no mínimo 15 aprendizes de cada segmento por parte de empresas parceiras.

Embora Ezequias tenha sido até o momento o único dos formandos da primeira turma da Beira-Rio a ser contratado, a diretora do projeto nega que isso represente um mau resultado.

— Pode parecer um número baixo, mas não é. Muitos contratos para jovens aprendizes terminam no fim do ano. Só agora (nesta época) é que as empresas começam a busca por novos contratados. Além disso, entre os que já se formaram há jovens passando por processos seletivos — pondera Sylvia.

Marcio Lopes, gerente da filial da Barra da BCF, conta que a empresa é parceira do Camp Mangueira há 15 anos. Neste período, diz, cerca de 20 jovens encaminhados pela matriz do projeto social, na Zona Norte, foram efetivados.

— Há pessoas vindas da Mangueira que chegaram como aprendizes e hoje são gerentes — destaca.

O Globo