Reforma trabalhista obriga mulheres a deixarem bebês de um mês na creche

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Foto: Jani Bryson/Thinkstock/Getty Images

As cadeirinhas vibratórias para bebês agora são equipamento obrigatório na creche Pequenas Turquesas IV, na Vila Gilda, bairro do extremo sul de São Paulo a mais de 30 km de carro do centro. Ali, elas funcionam como uma espécie de colo eletrônico para uma leva de crianças pequenas, de poucos meses ou mesmo poucos dias de vida, que vêm chegando à rede pública paulistana.

Esses recém-nascidos que chegam ainda não firmaram a cabeça nem conseguem ainda se virar. Tampouco se sentam, nem podem comer fruta ou papinha. Mães e pais poderão não estar presentes quando eles atingirem esses marcos pela primeira vez.

São filhos de cozinheiras, diaristas, copeiras, autônomas e outras profissões que, num ambiente profissional de crescente informalidade, muitas vezes não podem desfrutar total ou mesmo parcialmente do período legal de licença-maternidade no país, de 120 dias, e dos 30 de férias.

Filhos de mulheres sem acesso a seus direitos, acabam ficando longe das mães numa etapa que médicos descrevem como “gestação externa”, um período de transição do útero para o mundo que dura cerca de dois meses.

A chegada dessas crianças à rede pública foi possível devido ao atendimento de uma demanda dos pais e das mães, o aumento de vagas em creches municipais paulistanas.

Como a espera caiu, crianças que antes aguardavam meses na fila agora chegam em poucas semanas às creches (a etapa que vai de zero a três anos).

Ao todo, há 3.156 bebês com menos de quatro meses na rede municipal paulistana. O número flutua diariamente. A mais nova, nesta semana, tinha sido matriculada com 11 dias de vida.

Maria do Socorro Moreira Batista, 41, deixou a filha Cynthia Gabrielly com dois meses na creche da Vila Gilda. Devido à demissão de uma cozinheira no local onde trabalha, ela afirma que teve que voltar mais cedo a dar expediente numa pastelaria em Santo Amaro. Agora, ficará ao menos 12 horas longe da criança todos os dias —para se locomover até o trabalho, leva duas horas para ir e outras duas para voltar.

“Eu estava pensando em pedir as contas se não conseguisse vaga na creche”, diz. Uma cuidadora informal cobraria na faixa de R$ 400, o que pesaria demais nas contas da família. Então, ficou aliviada.
“No primeiro dia, eu chorei, né? Porque nunca tinha deixado meu bebê tão pequenininho”, diz ela, mãe de mais três.

“Mas sei que aqui ela está segura. Vi que a pessoa que está cuidando dela está grávida também, então sei que ela vai ter o maior cuidado.”

O filho de Pamela dos Santos, 28, entrou ainda mais jovem na creche, com um mês. “Sou fisioterapeuta autônoma. Não é fácil não, mas como a gente precisa trabalhar… E eles [da creche] me passaram credibilidade.”

Como outras mães, ela afirma que a vaga chegou mais rápido do que esperava.

“Antes as mães faziam inscrição e diziam assim: ‘vou fazer porque sei que só vai chamar daqui um ano’. Agora, elas estão assustando. ‘Nossa, mas já chegou. Eu tenho que deixar na escola?’”, diz Sônia Silva, entidade Associação Educacional Uirapuru, responsável por dez creches conveniadas que vêm ganhando berçários para atender à demanda.

A criação de vagas em creche, sobretudo com a expansão de conveniadas, tem aumentado nas últimas gestões municipais. Bruno Covas (PSDB) encampou a redução da fila como aposta de vitrine eleitoral.

Em dezembro, pela primeira vez a fila ficou abaixo dos cinco dígitos (9.670). Comparando com a mesma época de 2018, quando a demanda era de 19.670 vagas, a redução foi de 51%.

Com a onda de recém-nascidos que vêm chegando, a prefeitura afirma que procura se adaptar a essa realidade, em alguns casos enviando reforços de professores para cuidar de bebês que necessitam de atenção quase exclusiva.

O secretário municipal de Educação, Bruno Caetano, reconhece que seria melhor para todos, incluindo a criança e as creches, que elas chegassem a partir de quatro meses. No entanto, afirma que é uma questão que deve ser tratada com sensibilidade. “Não vamos tomar uma medida burocrática e deixar mais de 3.000 crianças sem o atendimento de que necessitam”, afirma.

Nas creches, há hoje 1.610 crianças com quatro meses, 1.015 com três; 422 com dois; e 109 com até um mês.

Caetano afirma que a cidade deve se preparar para a ampliação do contingente de crianças nessa faixa etária.

“A reforma trabalhista ampliou as possibilidades de contratação de trabalho autônomo, e a gente pode esperar que nos próximos anos situações como essas sejam cada vez comuns”, diz.

O novo perfil de alunos tem feito as escolas adaptarem instalações e equipamentos, comprando encostos para apoiar bebês que ainda não sentam e cadeiras vibratórias. Também surgiu demanda para serviço de perua só para bebês, com cadeirinhas.

“Temos uma aqui na creche de 45 dias, que quem coloca na perua é o irmão”, conta a diretora da creche Pequenas Turquesas, Raiane da Silva. A diretora diz que, uma vez dentro da escola, essas crianças necessitam de muito colo.

Do lado de fora, as mães passam por um período de abstinência nos primeiros dias.

Mãe de quatro, incluindo gêmeas que entraram em uma creche aos três meses, a autônoma Daiane Paes, 25, diz que está mais tranquila. No início, uma série de questionamentos martelavam na cabeça. “A gente fica receosa. Será que vai trocar direitinho, será que vai dar o leitinho na hora certa?”

Comum às entrevistadas é a necessidade financeira para sustentar os filhos.

“Na hora de colocar na creche, deu aquela dor no coração. Mas eu disse: ‘eu preciso, porque é o terceiro, já tenho outros dois já’”, diz a ajudante geral Iara Santos, 25, cujo filho entrou com um mês na creche. “Tem que se conformar. Ele vai entender que eu precisei deixar ele novinho.”

As escolas permitem que as mães amamentem nas unidades, mas muitas das crianças acabam tomando fórmula.

O obstetra Alberto Guimarães, criador do programa Parto Sem Medo, vê com preocupação a chegada de crianças muito novas. Segundo ele, os bebês vivem uma espécie de gestação externa nos seus primeiros meses, quando ainda estão se adaptando à vida fora do útero.

A amamentação exclusiva é um ponto comentado, mas há outras questões importantes. “A ideia é tentar reproduzir um ambiente intrauterino no ambiente externo, com pouca luz, mais silencioso. Quando você retira isso e põe num ambiente de uma creche, é hostil. E não é porque quem está cuidando não seja amoroso”, diz Guimarães.

Ele afirma que estresse demais pode afetar o desenvolvimento comportamental e mesmo físico dos bebês. Além disso, cita a questão da imunização, uma vez que várias das crianças ainda não têm idade para as primeiras vacinas.

Mães entrevistadas pela reportagem relataram o temor pela saúde de seus bebês quando estes estão misturados a crianças maiores. Mas elas são unânimes ao afirmar que não têm escolha.

Autora do livro “Feminismo Materno: O que a Profissional Descobriu ao se Tornar Mãe” (Pólen, 2019), Nathália Fernandes pesquisou por três anos as questões que envolvem trabalho e maternidade. Ela afirma que países com as melhores políticas públicas levaram décadas até gerar uma cultura em que o cuidado da criança é dividido de maneira mais proporcional com os pais, o que hoje alivia a situação das mulheres, incluindo no mercado de trabalho.

Nesses países, com leis de promoção de igualdade da década de 1970, homens participam mais ativamente da criação dos filhos e têm outra postura quando trabalham ao lado de mães e gestantes. “Os países nórdicos têm uma visão de investir na primeira infância, a população economicamente ativa do futuro”, diz.

Recentemente, o governo da Finlândia, liderado por mulheres, anunciou que vai adotar licença-paternidade remunerada de sete meses. No Brasil, ela é de apenas cinco dias.

No outro extremo, há os Estados Unidos, que oferece apenas 12 semanas não remuneradas às mulheres.

Para Nathália, embora tenha licença maternidade, a mentalidade do Brasil é mais parecida com a dos Estados Unidos quando se trata da questão da valorização da primeira infância.

A professora de antropologia da USP Heloísa Buarque de Almeida afirma que as mulheres brasileiras sofrem com um ideal de feminilidade que considera cruel, em que são as únicas responsabilizadas pelo cuidado das crianças.

“No Brasil o ideal de gênero é a figura da supermulher, que trabalha fora, cuida dos filhos e tem que ser bonita, elegante e jovem. Muitas estão deixando os filhos em algum lugar —pode ser na creche, na avó, na madrinha, na vizinha.”

Em alguns casos, as circunstâncias mudam a mentalidade dos homens. É o caso de Daniel de Jesus, 53, cujo filho entrou com três meses em uma creche municipal.

Com dois filhos adultos, desta vez ele tem papel ativo da criação do bebê, enquanto a mulher trabalha como doméstica. “Eu faço tudo. Lavar as roupinhas, ela chega está tudo pronto, ele de banho tomado, trocado. Para mim está sendo um presente.”

Redação com Folha