Trump começa a enfrentar dificuldades para se reeleger

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Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enfrenta o maior desafio até o momento para suas chances de ser reeleito. As duas maiores previsões de seus conselheiros para a campanha — de que haveria uma economia forte e um opositor facilmente tachado de demasiadamente à esquerda — vêm evaporando rapidamente. Um ano após Trump dizer que os eleitores deveriam apoiar sua reeleição ou se arriscar a ver um declínio econômico, o mercado financeiro enfrenta dificuldades, e economistas alertam que uma recessão pode estar no horizonte devido à crescente multiplicação de casos do novo coronavírus, o Covid-19.

Ao invés de consolidar o favoritismo antecipado do senador Bernie Sanders, algo que Trump deixava claro ser sua esperança, os democratas trocaram rapidamente o flerte com o social-democrata pelo ex-vice-presidente Joe Biden, cuja campanha é focada no retorno à normalidade política. Isso põe Trump diante de um cenário político confuso que ele parecia não querer ou não poder aceitar até quarta-feira, quando fez um pronunciamento à nação sobre a pandemia.

— Se fosse Warren ou Bernie e não houvesse o coronavírus, eu acho que Trump poderia ter facilidade [para se reeleger] — disse Kevin DeWine, ex-presidente do Partido Republicano no estado de Ohio. — No entanto, se for Biden e se nós tivermos transtornos graves devido ao novo coronavírus, é uma história completamente diferente.

Ohio, estado tradicionalmente disputado que recentemente vem apoiando os candidatos republicanos, estaria de novo em aberto, disse DeWine. Outros estados similares no Meio-Oeste americano que foram centrais para a eleição de Trump em 2016 deverão ser igualmente cruciais nas eleições do dia 3 de novembro.

O que acontece em março pode, no fim, ter pouco impacto em novembro. Trump tem a máquina da Presidência a seu favor, e Biden, por sua vez, vem conseguindo escapar de críticas intensas de seus rivais em uma disputa democrata cheia de altos e baixos e, até recentemente, lotada.

Se há alguma constante na era Trump, é que aquilo que é manchete em um dado momento mudará em questão de horas, dias ou, na pior das hipóteses, semanas. O vírus pode ser mitigado, a economia pode se recuperar e a célebre propensão de Biden para gafes, associada à sua longa carreira em Washington, podem confirmar as previsões do início das primárias de que seria um candidato fraco.

Ainda assim, caso Trump venha a perder a Presidência, a semente poderá ter sido plantada em março ou abril. Um desafio que o presidente enfrenta é o tipo de resposta que um chefe de governo deve dar durante crises como uma pandemia — algo que nunca foi seu ponto forte. Empatia e demonstrações de emoção não lhe são naturais e no Twitter, sua mídia favorita, vem sendo consumido pela maneira como as pessoas percebem suas respostas à crise e focando nas críticas aos democratas.

Até o momento, ele vem resistindo a conselhos de que deveria cancelar eventos de campanha ou enviar um sinal consistente de que está disposto a pausar a temporada política enquanto os efeitos do vírus são compreendidos.

— Um líder precisa ser transparente, claro, empático, sério e dedicado — disse Jeb Bush, ex-governador da Flórida que concorreu com Trump pela indicação do Partido Republicano à Presidência em 2016. Ele disse ainda que um líder precisa “desligar políticas partidárias” e “confiar nos especialistas, permitindo que uma estratégia seja desenvolvida em conjunto com eles”.

Biden, em contraste, tem sua vida política definida por tragédias pessoais: sua mulher e filha morreram em uma acidente de carro 1972, logo após ser eleito para o seu primeiro mandato no Congresso. Seu filho Beau morreu em 2015, quando era vice-presidente, em razão de um câncer. Seus esforços para seguir em frente apesar das tragédias e encorajar os outros a fazerem o mesmo também são marcas registradas do ex-vice-presidente.

Na tarde de quarta-feira, pouco antes da hora na qual deveria falar com repórteres, Trump repreendeu os democratas do Congresso que indicaram que não pretendiam ouvi-lo sobre um pacote para auxiliar a economia americana frente ao vírus. Em seu Twitter, disse que “alguém precisa dizer aos democratas no Congresso que o coronavírus não se importa com o partido do qual você faz parte. É necessário proteger todos os americanos!”

Em entrevistas, republicanos próximos à campanha do presidente disseram que sua reeleição tornou-se um navio de guerra político, devagar para virar, diferente da ágil campanha que o elegeu em 2016. Na terça-feira, diversos conselheiros trabalharam para persuadir Trump a não anunciar um comício marcado para o fim do mês na Flórida. Os esforços foram bem-sucedidos.

Conselheiros do presidente vêm indicando mensagens confusas sobre a maneira como pretendem abordar Biden como adversário presidencial. Alguns querem pintá-lo como a versão de 2020 de Hillary Clinton, enquanto outros buscam associá-lo a Sanders, em razão de algumas políticas mais progressistas que vêm adotando.

Os resultados das primárias não podem ser facilmente projetados para as eleições gerais, mas o aumento da participação democrata, até o momento, não apenas auxiliou Biden, mas também ilustrou aquela que pode ser a vulnerabilidade mais evidente de Trump. O ex-vice-presidente tem uma boa margem na corrida por delegados devido, em parte, a um aumento de eleitores nos subúrbios — muitos deles em distritos afluentes.

A equipe de estrategistas de Trump é pequena, apesar da grande quantidade de funcionários contratados por sua campanha, cujo presidente acabou de se mudar para Washington, quartel-general dos planos para a reeleição. Após o vazamento de informações, os detalhes são vigiados de perto e pesquisas formais são encomendadas com espaços de meses. Na terça-feira, Trump se reuniu com a equipe para analisar os resultados da enquete mais recente, cujos dados, em parte, já estavam ultrapassados.

Francis Rooney, um republicano da Flórida que não está em busca de reeleição, disse que apenas a chance de Biden ser o adversário de Trump já “torna [a disputa] uma corrida”. Para ele, Biden é “moderado, sensato e genuinamente carismático — nenhuma das coisas que Sanders é”. Ecoando um número de lideranças em ambos os partidos, Rooney disse ainda que se Biden ganhar a indicação, será uma amostra de como as eleições de 2016 foram mais um referendo sobre Hillary Clinton, a candidata democrata naquela ocasião, do que sobre Trump.

Os adversários de Trump usam o argumento oposto — e foram suas tentativas de pressionar a Ucrânia a investigar os negócios do filho de Biden, Hunter, no setor energético do país que deram origem ao julgamento de impeachment contra Trump, inocentado pelo Senado. O que alarma muitos republicanos sobre o impacto do coronavírus, no entanto, é que a doença deverá continuar a dominar os noticiários, dificultando seus esforços de destacar pontos negativos do ex-vice-presidente e chamar atenção para suas gafes.

O Globo