55% dos posts pró Bolsonaro são de robôs

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Foto: Reprodução/GGN

Estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), obtido em primeira mão pelo Valor, mostra que robôs foram responsáveis por mais da metade das publicações favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro no Twitter. Por meio de ferramentas de ciência de dados, as professoras Rose Marie Santini, da UFRJ, e Isabela Kalil, da Fesp, demonstram que robôs responderam por 55% dos 1,2 milhão de posts que usaram a expressão #BolsonaroDay para homenagear o presidente em 15 de março, dia de atos de rua pró-governo.

A pesquisa identificou a ação de 23,5 mil usuários não humanos a favor do presidente em um universo total de 66 mil usuários que publicaram a “hashtag” naquele dia. É um exército de “bots” e ciborgues criados, cultivados e programados para fazer bombar o assunto que for conveniente para quem os comanda, no exato momento escolhido para o ataque.

A essa tropa somam-se 1,7 mil contas que publicaram sobre #BolsonaroDay e, horas depois, foram apagadas do Twitter. O comportamento, segundo as pesquisadoras, é típico de bots. Antes de sumir, o grupo foi responsável por 22 mil tuítes a favor de Bolsonaro.

As informações foram processadas no software com inteligência artificial “Gotcha”. O classificador de bots foi desenvolvido nos últimos dois anos pelo Laboratório de Microssociologia e Estudo de Redes (NetLab) da UFRJ, com apoio da startup Twist System. A parceria com o Núcleo de Etnografia Urbana (NEU) da Fesp consistiu em treinar, ao longo de um ano, o algoritmo para funcionar com base em um banco de dados de temas relacionados à política brasileira.

Os grupos são coordenados por Marie, no Rio, e Isabela, em São Paulo, e reúnem 12 pesquisadores.

O “Gotcha”, referência ao termo em inglês para “te peguei”, tem funções semelhantes ao americano “Botometer”. A ferramenta da Universidade de Indiana é usada para identificar a participação de robôs em redes sociais para conteúdos em língua inglesa. Foi com o processamento do “Botometer” que um estudo da Universidade de Oxford apontou que, em 2016, 18% do conteúdo das eleições americanas e 32% dos posts sobre Brexit vieram de bots. Esses momentos são referências internacionais da manipulação das redes por robôs – superados agora de longe pelos 55% de tuítes pró-Bolsonaro.

“Um uso massivo de robôs não quer dizer necessariamente que aquela campanha nas redes sociais está fraca e precisou ser inflada”, explica a doutora em Antropologia Social e autora do estudo Isabela Kalil. “O bot não vota nem adoece de covid-19, por exemplo, mas influencia a forma como os humanos votam e se previnem ou não diante de uma pandemia.”

Os atos de 15 de março aconteceram nos primeiros dias da eclosão do coronavírus no Brasil. Na época, a recomendação das autoridades de Saúde já era para que se evitasse aglomerações. Depois de convocar as manifestações via WhatsApp, Bolsonaro tinha desestimulado as pessoas a irem às ruas em live no Facebook. No domingo, os atos aconteceram com público pequeno.

A surpresa foi a aparição do presidente no meio da concentração de gente em Brasília. Ele apertou a mãos de apoiadores e tirou selfies. Bolsonaro tinha voltado dos Estados Unidos dias antes, em uma comitiva em que vinte pessoas vieram contaminadas com coronavírus. O presidente diz que seu teste para a doença deu negativo.

Se, nas ruas, a movimentação foi reduzida nesse dia, nas redes ela explodiu. #BolsonaroDay entrou nos Trending Topics mundiais do Twitter, ou seja, foi um dos dez assuntos mais falados no globo. “Como as redes sociais foram criadas para a interação entre pessoas, há um subtexto de que o que está no Twitter é a voz do povo”, analisa Marie Santini, pós-doutora em Ciência da Informação e autora da pesquisa. “Mas as redes sociais são passíveis de muita manipulação.”

Marie explica que, além de inflar temas de interesse de quem os comanda, os robôs são usados na política brasileira para orientar os argumentos da militância, chamar a atenção de usuários e até mesmo pautar a imprensa. “É o fenômeno que chamamos de sequestro de atenção”, diz a pesquisadora da UFRJ.

Valor Econômico