Adesão à quarentena cai dia a dia, mostram celulares

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Foto: Fabio Vieira

Os dados de geolocalização dos celulares mostram que os índices de quarentena no Brasil estão caindo ao longo das semanas. Segundo o levantamento da In Loco, startup brasileira que criou o IIS (Índice de Isolamento Social) e monitora diariamente os parâmetros fornecidos pelas operadoras de telefonia, a média de pessoas em casa caiu na terça-feira (14) para 46,2%, menor taxa desde o 20 de março (sexta), quando praticamente não havia decreto de quarentena no país (IIS de 38,2%).

Ao longo da semana, o índice oscilou bastante acima e abaixo do 50%. Na média semana a semana, porém, fica claro que a adesão nacional vem caindo:

A média do IIS nos últimos 25 dias foi de 53,3% —do dia 24 de março, primeiro dia de quarentena em São Paulo, principal foco dos casos, ao 17 de abril (última medida disponível).

O IIS tem seus maiores picos aos fins de semana, especialmente aos domingos. Mas, até nesses dias, o isolamento caiu. O máximo de pessoas em casa foi registrado em 22 de março (domingo), com índice de 69,6%. Desde então, o IIS despencou até chegar a 59,8% no domingo (12). Considerando que a base de dados tem 60 milhões de pessoas, isso significa cerca de 6 milhões de pessoas a mais nas ruas num intervalo de quatro domingos:

Excluindo sábados e domingos, a adesão média nos dias úteis nos últimos 25 dias está em 51%.

Antes dos decretos estaduais e municipais, que começaram a acontecer mais drasticamente a partir de 15 de março, esse IIS nos dias úteis ficava na casa dos 20%. No dia 17, quando a primeira morte no país foi anunciada, o índice era de 29,9% (terça).

Já o Google, cujos aplicativos estão na maioria dos celulares brasileiros, usou os dados de geolocalização para calcular a movimentação em cinco categorias de locais públicos. Neste levantamento, também fica claro que mais pessoas estão saindo mais de casa. Os dados comparam a movimentação em 29 de março e 11 de abril (referentes ao período de 48 a 72 horas anteriores) com as primeiras semanas de janeiro e fevereiro (pré-quarentena).

O Google não explica por que a queda na movimentação por locais públicos não interfere mais diretamento no percentual de pessoas em casa.

Não há consenso sobre o número ideal de isolamento social. Segundo pesquisadores brasileiros ouvidos por Tilt, qualquer número abaixo de 75% é insuficiente para evitar um colapso do sistema de saúde em poucas semanas, provocado por um pico de casos graves de covid-19. Com UTIs lotadas e falta de respiradores, o número de mortes deve aumentar vertiginosamente.

“Dada a realidade de leitos no país, 75% seria um percentual que indica a proteção do sistema de saúde com uma certa folga”, afirma Askery Canabarro, professor de Física da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e um dos autores de um artigo que faz projeções astrofísicas e matemáticas a partir dos dados divulgados pelo Google.

Foram feitas projeções considerando demanda por leitos, número de mortes e infectados em diversos cenários de isolamento. Os pesquisadores fizeram uma fórmula para estimar com fidelidade o número real de infectados considerando os números de pessoas em estado crítico e mortas. O modelo estratificou ainda a população em nove faixas etárias para ver os efeitos de cada uma delas.

O cálculo apontou que o isolamento seletivo (para idosos e grupos de risco), por exemplo, seria ineficiente para evitar o colapso do sistema de saúde. “Com 50% de isolamento social, o cenário é de centenas de milhares de mortes no país. Sem intensificar o isolamento, o modelo prevê um colapso na semana de 21 de abril”, disse Canabarro. “Como não avaliamos a distribuição de leitos por estado, alguns entraram em colapso antes, outros depois.”

Para o pesquisador Wladimir Lyra, astrônomo da Universidade do Estado do Novo México (EUA) que também estuda a curva da pandemia, o isolamento social deveria ser muito maior. “Seria necessário 70% no mínimo, e Brasil está praticando 56% na média”, diz.

Ele também enfatiza que as falências no atendimento médico devem ocorrer em tempos diferentes, a depender da demanda local. O modelo feito por ele prevê colapso do sistema de saúde em número de leitos UTI ocupados por volta de 1º de maio. “Mas, isso se todos os leitos forem ocupados por pacientes do corona. Na verdade, há outras enfermidades e portanto o colapso deve acontecer antes”, disse.

Por outro lado, estudo que faz uma projeção bem mais modesta diz ser necessário um índice na casa de 40%. Professores da USP, da Universidade de Brasília, do Instituto Butantan e da Fiocruz cruzaram dados de mobilidade das pessoas em São Paulo e no Rio de Janeiro, com a velocidade de transmissão do vírus.

“Achamos claramente os 40% como paradigma”, diz o infectologista Júlio Croda, que integrou a equipe do Ministério da Saúde e hoje colabora com o centro de contingência do combate ao coronavírus de SP. “Nós já achatamos a curva [de transmissão do vírus]”, diz ele à Folha. “Os dados reforçam que, se persistirmos no isolamento atual, talvez não precisemos de medidas mais restritivas. Não vamos precisar radicalizar e a economia vai poder sobreviver de alguma forma.”

O médico, porém, defende que qualquer relaxamento nos níveis atuais de restrição fará a transmissão da Covid-19 crescer de novo.

Em vários estados o sistema já colapsou, como Ceará e Amazonas, ou está muito perto de não dar conta.

A In Loco possui uma tecnologia que puxa de forma automatizada (bot) dados públicos das operadoras sobre geolocalização, que normalmente são usados para direcionar publicidade. É o chamado Advertising ID, um número único que constantemente identifica os interesses dos usuários que navegam pelos serviços de plataformas como Google e Facebook. Ele serve para mostrar anúncios segmentados ou personalizados (ou “anúncios com base em interesses”), que geram receita para os apps.

Segundo a startup, esse identificador também serve para detecta se um celular fica por períodos prolongados em determinado local. Ele envia para os servidores da empresa o endereço e o identificador de publicidade do smartphone, com isso dá para estabelecer a razão entre quem está “estacionado” e quem se desloca. Por isso, a empresa conseguiu montar um sistema de monitoramento diário, que foi usado pela prefeitura de Recife. Eles têm acesso ao identificador de 60 milhões de celulares brasileiros —o que corresponde a uma parte da população estimada do Brasil, que hoje é de 211 milhões, segundo o IBGE.

O seu celular tem embutido um GPS (Sistema Global de Posicionamento, da sigla em inglês), que troca constantemente informações com um satélite para determinar a sua geolocalização. Isso, em geral, serve para coisas como: te ajudar a saber onde está num mapa, qual caminho tomar quando está perdido, se deve virar à esquerda ou quanto falta para chegar a um destino, onde está o seu celular perdido/roubado ou qual o nome do estabelecimento onde está para colocar na descrição de uma foto no Instagram.

Empresas como Google, dona de Google Maps, Waze e Google Fotos, e Facebook, dono de WhatsApp e Instagram, e Apple armazenam seus deslocamentos em históricos de trajetos ou locais visitados. Com esse tipo de informação, dá para saber se um celular fica no mesmo local todas as noites (que seria sua casa) e se move todos os dias para um outro (provavelmente seu trabalho).

O índice de isolamento social, neste caso, mede isso: o celular passou o dia num raio bastante próximo da localidade tida como sua casa? Entra para a estatística do grupo que respeitou a quarentena. Caso contrário, vai para o índice dos que saíram de casa.

Normalmente, você precisa ativar a função de geolocalização — alguns apps pedem autorização para enviar os dados, outros não. Quando isso acontece, eles se tornam públicos —mas há uma grande discussão sobre concentimento e direito a privacidade em jogo.

Parte dos dados de empresas como Google, Facebook e Apple são abertos para o público e qualquer pessoa pode checar, inclusive os pesquidores e cientistas. Parte dos dados da In Loco estão no site da empresa e também podem ser consultados, mas detalhes sobre bairros e informações mais específicas não são divulgados publicamente. Ela tem parceria com cerca de 20 estados e fornece dados cartográficos e estatísticos que chegam ao nível dos bairros, mas de forma anonimizada.

Existe uma forma diferente de acompanhar aglomerações, que é pela triangulação entre diferentes antenas às quais os celulares vão se conectando no caminho. As operadoras Algar, Claro, Oi, Tim e Vivo já se comprometeram a enviar dados sobre a localização de 222,2 milhões de linhas para o Ministério da Ciência, Inovação, Tecnologia e Comunicação (MCTIC) —as cinco empresas respondem por 97,8% dos 227,1 milhões de acessos móveis no Brasil. Com esses dados, é possível montar mapas de calor que indicam maior ou menor concentração de aparelhos em uma certa área.

Esse monitoramento ainda não está sendo feito nacionalmente, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, mas acontece no estado de São Paulo, por exemplo, em parceria com Claro, TIM, Oi e Vivo. Os dados não são divulgados publicamente, ficam disponíveis em centrais de controle, e monitoram cidades com mais de 200 mil habitantes —há planos de estendê-lo para municípios que tenham a partir de 30 mil moradores.

E aqui a discussão é sobre a possibilidade de granular mais os dados, o que poderia indicar cada indivíduo conectado e atingir outro patamar de falta de privacidade.

Uol