Analistas dizem que militares não negaram golpe até agora

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Getty Images/AFP/S. Lima

“Eu estou aqui porque acredito em vocês. E vocês estão aqui porque acreditam no Brasil.” Com essas palavras, o presidente Jair Bolsonaro se dirigiu no domingo (19/04) a centenas de apoiadores que se manifestaram em Brasília contra o isolamento social imposto por governadores e prefeitos devido à pandemia do novo coronavírus.

Porém, o detalhe explosivo: o protesto pedia o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como o reestabelecimento do AI-5, de 1968, com o qual a ditadura militar (1964-1985) conseguiu fechar o Congresso e reprimir direitos civis. Além disso, cartazes defendiam uma intervenção militar tendo Bolsonaro na liderança do protesto.

Quer dizer, houve uma clara afronta à Constituição, que Bolsonaro jurou respeitar. “Isso gerou insatisfação entre os militares, também porque o discurso do presidente foi em frente ao quartel-general do Exército”, afirma o historiador Carlos Fico.

Na segunda-feira, Bolsonaro voltou atrás, dizendo que se mantém fiel à democracia e à Constituição. Segundo relatos na imprensa, militares próximos a Bolsonaro teriam aconselhado o presidente a rever suas declarações.

Nada de novo, segundo Fico. “Bolsonaro já fez isso várias vezes: dá declarações criminosas e depois volta atrás. Mas, desta vez, parece que houve uma intervenção dos militares que são seus assessores.”

O ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, declarou na segunda-feira que as Forças Armadas trabalham “sempre obedientes à Constituição”. “Essas declarações mais genéricas vão no sentido de que eles respeitariam a democracia”, observa Fico. “Mas isso é uma impressão, não é uma certeza.”

Fico diz que há incerteza quanto à posição dos militares sobre a ditadura. “Nunca houve um pedido de perdão nem reconhecimento claro das graves violações dos direitos humanos. Ao contrário: mesmo depois do fim da ditadura, eles sempre continuaram tentando defender aquele regime. E isso ocorre até hoje.”

A diretora da Fundação Heinrich Böll (ligada ao Partido Verde alemão) no Rio de Janeiro, Annete von Schönfeld, comenta que o período da ditadura nunca foi devidamente reavaliado. “Mas não tenho certeza se os manifestantes desse movimento de protesto se disporiam a uma reavaliação e estariam dispostos a rever suas posições.”

Para Von Schönfeld, há método no discurso de Bolsonaro. “Desde que assumiu o cargo, ele tem explorado até onde pode ir. Ele diz coisas indizíveis e volta atrás no dia seguinte. Mas, ao fazê-lo, ele cria um discurso, e isso é perigoso.”

Ela aponta para a reação tímida dos militares. “Não se pode mais ter certeza sobre o grau de rejeição a estruturas autoritárias em algumas partes da sociedade brasileira e sobre como os militares se comportariam. Teria sido melhor se eles tivessem adotado um distanciamento mais claro”, afirma von Schönfeld.

O fato de Bolsonaro poder testar os limites do que é moralmente permitido sem sofrer consequências tangíveis é uma demonstração deliberada de poder por parte do presidente, afirma Von Schönfeld. Alguns políticos e representantes da sociedade civil protestaram, especialmente por meio das mídias sociais. “Em outras sociedades, haveria pedidos de renúncia. No Brasil, não.”

A diretora do escritório da Fundação Konrad Adenauer (ligada ao partido alemão União Democrata Cristã (CDU)) no Rio de Janeiro, Anja Czymmeck, expressa confiança na democracia brasileira. Ela observa que governadores e prefeitos puderam seguir suas próprias políticas em meio à crise do novo coronavírus, e o Congresso trabalha de forma independente.

“A reação do ministro da Defesa mostrou que os militares estão comprometidos com a paz e a estabilidade, sob a Constituição. E os militares no gabinete têm trabalhado nessa direção. As instituições estão funcionando”, resume Czymmeck.

O STF abriu um inquérito nesta terça-feira para investigar a organização de atos inconstitucionais no país, incluindo as manifestações de domingo que pediram o fechamento do Congresso.

Os manifestantes radicais são minoria mesmo entre os eleitores de Bolsonaro, afirma Fico. “Mas há uma dimensão simbólica quando o próprio presidente se reúne, mais uma vez, com manifestantes que seguram tais faixas e cartazes.”

A radicalização de Bolsonaro mostra o quão acuado ele está. “Acho que o presidente está muito preocupado com a possibilidade de perder o cargo por meio de um impeachment. Isso é uma possibilidade concreta hoje em dia”, opina Fico.

Isso pode acontecer, sobretudo, se as taxas de popularidade de Bolsonaro, que Fico estima estarem em cerca de 30%, continuarem a cair, e se a economia mergulhar em uma profunda crise, o que parece inevitável devido à crise do novo coronavírus.

Economistas estimam que surgirão milhões de desempregados e que o país poderá amargar uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) de até 5% em 2020. “E se o processo de impeachment começar, os militares não vão impedi-lo”, afirma Fico.

DW