Aras tenta manietar MPF para proteger Bolsonaro

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Jorge William / Agência O Globo

O procurador-geral da República Augusto Aras realizou uma medida inédita na história da instituição que blinda o governo do presidente Jair Bolsonaro de demandas de procuradores de outras instâncias do Ministério Público Federal (MPF). Na prática, passa a exercer um controle sobre a atividade dos colegas, embora os procuradores tenham garantida sua independência funcional.

Criticado internamente por não tomar ações concretas contra o presidente, Aras estava sendo atropelado por outros procuradores da primeira instância do MPF, que chegaram a obter decisões judiciais derrubando trechos de decreto de Bolsonaro sobre reabertura de igrejas e suspendendo a divulgação de propaganda institucional do governo federal que pediria o retorno das pessoas às ruas. Também a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do MPF, tem expedido pedidos de informações ao governo federal sobre as políticas adotadas na pandemia.

Diante desse cenário, Aras enviou ofícios para os ministérios do governo federal solicitando que demandas enviadas por outros procuradores a respeito do coronavírus sejam reencaminhadas a um gabinete da PGR sob seu controle, o Gabinete Integrado de Acompanhamento do Covid-19 (Giac), para que ele possa avaliar a pertinência das manifestações dos colegas. Nesses ofícios, Aras cita que a atribuição para se dirigir aos ministros de Estado é privativa do procurador-geral da República, sugerindo que os procuradores de outras instâncias estão usurpando sua competência por meio de ofícios enviados a técnicos dos ministérios.

A reportagem teve acesso a um desses ofícios, enviado ao ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta no último dia 8. “Nesse sentindo, considerando a notícia de que recomendações de membros do Ministério Público Federal a respeito do enfrentamento da pandemia do coronavírus vêm sendo dirigidas a diversos órgãos executivos dos ministérios, cobrando a prática de atos de gestão que se encontram na esfera de atribuição dos titulares das respectivas pastas; e considerando os termos do parágrafo §4º, do art. 8º da Lei Complementar nº 73/95 e da Portaria PGR/MPF nº 567, de 21/07/2014 (anexa), solicitamos a V. Exa o reencaminhamento das referidas recomendações a este Gabinete Integrado (GIAC- COVID19) para que proceda ao exame da matéria, preservando-se as atribuições dos órgãos superiores do Ministério Público Federal”, diz no ofício.

A lei que Aras cita aponta que requisições de procuradores do MPF destinadas ao presidente da República e ministros de Estado serão enviadas ao PGR para que este encaminhe a demanda do procurador, mas não diz que só o procurador-geral pode fiscalizar atos do governo federal. Além disso, procuradores podem enviar recomendações e pleitos às áreas técnicas do governo, como ao secretário-executivo das pastas, cargo equivalente ao número dois na hierarquia dos ministérios, sem se dirigir diretamente aos ministros.

A ação de Aras provocou forte reação interna dos procuradores, que apontam uma violação à independência funcional deles e à autonomia de ação.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, afirma que essas ações dos procuradores não precisam passar pelo crivo do PGR.

– A medida fere a independência de atuação do MPF em todo o país. Neste momento, colegas do MPF em todo o país estão com procedimentos abertos para ajudar nessa questão do combate à pandemia. Tem recursos que estão sendo repassados para a Saúde, mais de R$ 2 bilhões de reais já foram obtidos, tem ação judicial e recomendação para evitar campanhas contra o isolamento, tem atuação e recomendação para proteger pessoas em situação de vulnerabilidade, moradores de rua e de favelas. Isso é um trabalho a ser feito pelos colegas que moram nas diversas regiões e conhecem as realidades locais – afirmou Fábio George.

O presidente da ANPR afirma que, caso seja constatado que um procurador preferiu enviar recomendação a algum técnico do ministério para burlar o envio do ofício ao ministro, isso pode caracterizar infração disciplinar e deve ser apurado.

– Mas é inadmissível partir do pressuposto que os colegas estão desvirtuando a atuação. Essas demandas não têm que passar pelo procurador-geral da República nem por grupo nenhum. A lei diz que ofícios aos ministros passam pelo procurador-geral da República por uma questão formal, ele não tem que fazer exame de mérito algum, ele só encaminha para os destinatários. E se for for a outras pessoas dos ministérios, não precisa passar pela PGR – disse Fábio George.

Procurada para comentar, a PGR afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que Aras tem defendido uma centralização na tomada de decisões sobre o coronavírus. A PGR afirma que o ofício tem o objetivo de resguardar a competência do procurador-geral e evitar um excesso de recomendações dos procuradores de outras instâncias, que podem ser até em sentidos diferentes. Ainda sobre o assunto, a PGR afirma que há uma norma baixada em 2014 pelo então procurador-geral Rodrigo Janot que determina que somente o PGR tem atribuição para se dirigir a ministros de Estado. Argumenta também que o Conselho Nacional do Ministério Público integra o Giac e eventuais violações serão analisadas pelo corregedor nacional do CNMP.

Em entrevista concedida ao GLOBO no último dia 31, Aras negou as acusações de omissão em relação ao presidente Bolsonaro e afirmou que não detectou irregularidades em sua conduta sobre o coronavírus até esta ocasião.

O Globo