Bancos não negociarão com quem devia antes da crise

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Foto: Adriano Vizoni

Famílias e empresas que já estavam inadimplentes antes da crise causada pela pandemia do coronavírus não serão alcançadas pela medida anunciada pelo Banco Central de facilitar a renegociação de faturas em atraso.

A ação, apresentada no mês passado, é parte dos esforços do órgão para tentar atenuar os efeitos do período de isolamento social e da baixa atividade econômica.

Hoje, do total da carteira de crédito de MEIs (microempreendedores individuais) em instituições financeiras, como bancos, 5,5% estão inadimplentes, de acordo com dados do BC.

Os autônomos, grupo mais afetado pela paralisação das atividades, se encaixam nessa categoria. Entre eles, dos que faturam entre 1 e 2 salários mínimos mensais, parcela mais vulnerável à atual crise, 7,6% têm faturas em aberto por mais de 90 dias.

Nas microempresas —que são MEIs com CNPJ— a inadimplência chega a 10,2%. Os números estão bem acima dos 2,14% de inadimplência do total da carteira de crédito das empresas ao fim de 2019.

A iniciativa do BC dispensa os bancos de aumentarem o chamado provisionamento no caso de renegociação de empréstimos pelos próximos seis meses.

Geralmente, quando é feita uma repactuação de dívida, o risco do crédito aumenta e a autoridade monetária obriga que a instituição aumente o valor provisionado. Provisionamento é a quantia, proporcional ao valor do empréstimo, que os bancos devem manter em caixa para que a operação seja assegurada.

O percentual depende da avaliação de risco do crédito, e uma eventual renegociação aumenta esse risco.

“Facilita a renegociação de operações de créditos de empresas e de famílias que possuem boa capacidade financeira e mantêm operações de crédito regulares e adimplentes em curso, permitindo ajustes de seus fluxos de caixa, o que contribuirá para a redução dos efeitos temporários decorrentes da Covid-19”, afirma nota do BC.

Na semana em que foi publicada a medida, no dia 16 de março, muitas instituições financeiras anunciaram que fariam a prorrogação das parcelas para linhas de pessoas físicas e jurídicas por até três meses.

A Folha entrou em contato com os cinco maiores bancos; nenhum concederá o benefício a clientes inadimplentes.

Muitos dos autônomos inadimplentes deverão recorrer à ajuda emergencial do governo de R$ 600, sancionada na quarta-feira passada (1°).

O economista Luciano Nakabashi, da USP, diz acreditar que as instituições, com incentivo do governo, deveriam facilitar a renegociação também para inadimplentes.

“É um período atípico, não é o momento de deixar de fora quem tem faturas em atraso, porque essas pessoas já vinham mal. O governo precisa agir diretamente ou o dinheiro não chega na ponta”, diz.

Para o economista Marcus Quintella, professor da FGV, os autônomos e pequenos empresários são os mais atingidos pela crise. “A probabilidade de esses profissionais voltarem, após a pandemia, ao patamar em que estavam antes é muito pequena, muitos não vão conseguir reabrir”, afirma.

Ele pondera que, para manter a saúde financeira dos autônomos, o crédito deve ter uma carência maior.

“E deve ser uma carência real, porque muitos bancos concedem [financiamentos] sem juros no período, mas ele é

capitalizado, então o cliente paga tudo depois. Ele precisa ter condições depois de pagar esse empréstimo.”

Mesmo antes da crise, MEIs já tinham dificuldades na hora de conseguir empréstimos.

Pelo baixo faturamento, alguns nem sequer tinham acesso a linhas específicas para o segmento e enfrentavam dificuldades para honrar seus compromissos.

É o caso do autônomo Igor Prates, 33, de Brasília. Ele tem uma microcervejaria e tentou, sem sucesso, pegar crédito em seu banco.

“Conversava com o gerente, pedia empréstimos mais baratos, para tentar expandir os negócios. Ele sempre vinha com uma dificuldade diferente. Por fim, explicou que meu faturamento era muito baixo e que, por isso, não conseguiria o financiamento”, diz.

Por causa do isolamento, ele paralisou toda a fabricação no mês passado.

“Antes disso estava tentando uma linha específica para MEI, mas, até agora, nada. Sem faturamento, não estou conseguindo pagar algumas contas, o que vai dificultar mais ainda. E essa é minha única fonte de renda.”

As vendas da confeiteira Deborah Lamar, 30, de Sobradinho (DF), caíram 50% na fase da crise provocada pelo coronavírus, em comparação com o mesmo período do ano passado.

“Essa seria uma época de bom faturamento, por causa da Páscoa. Tenho de me reinventar todos os dias. Faço entregas, mas as pessoas estão com medo de não receber salário ou do próprio contato com o entregador, pela contaminação”, diz.

Folha de S. Paulo