Bolsonaristas comemoram futuro

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Foto: Reprodução

A crise do coronavírus não impediu que a comissão de frente do bolsonarismo nas redes sociais montasse um cronograma de celebrações para o segundo semestre. Nenhuma das datas ali citadas, porém, tem vínculo com qualquer previsão para o fim da pandemia. Convencido de que a queda do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não passa de dias, o grupo que sempre defendeu a troca já virou esta página e aposta agora em outras batalhas.

A “folhinha bolsonarista” que circula nas redes e já é compartilhada em grupos de WhatsApp por integrantes da ala ideológica do governo traz três efemérides para 2020. No calendário de “datas comemorativas” deste ano, seguidores do escritor Olavo de Carvalho citam em suas postagens o último dia de mandato do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em 30 de setembro, e a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello, decano da Corte, que completa 75 anos em 1.º de novembro.

 

 

Além disso, no afã de ver a mudança no comando do Congresso, o grupo errou a data de término da gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) como presidente da Câmara e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à frente do Senado ao mencionar o terceiro dia feliz previsto para 2020.

Maia é visto como vilão e inimigo número 1 do governo. O mandato do deputado na direção da Câmara termina no fim de janeiro de 2021, assim como o de Alcolumbre, também criticado por olavistas. A eleição da nova cúpula do Congresso ocorre somente em 1.º de fevereiro do ano que vem. Mas, para o almanaque do bolsonarismo, o “último dia de mandato presidencial” de Maia e Alcolumbre é 31 de dezembro.

Mandetta, outro filiado do DEM, virou carta fora do baralho para esse time desde que adotou tom do confronto com o presidente Jair Bolsonaro sobre a condução da estratégia de combate ao coronavírus. A partir daí, discípulos de Olavo de Carvalho já começaram a dizer que a saída de Mandetta era questão de tempo. Na prática, o presidente só não lhe deu o cartão vermelho, ainda, porque está à procura de um nome para substituí-lo.

Na noite desta terça-feira, 14, Mandetta chegou a avisar sua equipe que será demitido. Wanderson de Oliveira, um dos principais formuladores da estratégia do Ministério para enfrentar a covid-19, já se antecipou e entregou o cargo. Oliveira era secretário nacional de Vigilância em Saúde.

A situação de Mandetta ficou insustentável no domingo, quando, em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, ele chegou a apontar “dubiedade” nas ações do governo para conter a pandemia. O ministro sempre quis manter medidas de isolamento social, mas Bolsonaro vai na direção oposta e tem saído às ruas, provocando aglomerações.

“O brasileiro não sabe se escuta o ministro da Saúde, o presidente, quem é que ele escuta”, disse Mandetta, ainda naquele domingo.

De lá para cá, tudo piorou. O titular da Saúde perdeu o apoio do núcleo militar do Planalto, que lhe dava respaldo na briga contra a ala ideológica do governo. “Cruzar a linha da bola é uma falta grave no polo”, afirmou o vice-presidente Hamilton Mourão, primeiro convidado da série de entrevistas Estadão Live Talks, em referência ao fato de Mandetta expor publicamente as divergências com Bolsonaro. “Ele fez uma falta. Merecia cartão”.

Para o chamado “gabinete do ódio”, grupo capitaneado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que adota posição beligerante nas redes sociais, o coronavírus foi “plantado” pela China para causar pânico nos mercados globais e fortalecer a economia do país asiático. O próprio presidente tem essa teoria, externada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. A posição provocou fortes reações da Embaixada da China.

“Não entendo como o governo brasileiro, nesse momento de crise, desqualifica a China”, argumentou Maia. Em mais de uma videoconferência com investidores, o deputado lembrou que o Congresso só não rompeu com Bolsonaro por causa da pandemia.

Nas mídias digitais, o presidente da Câmara apanha dia e noite de bolsonaristas. A tensão chegou ao auge nesta segunda-feira, 13, quando a Câmara aprovou plano de socorro de R$ 89,6 bilhões para Estados e municípios.

Foi uma derrota do governo e, principalmente, do ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem Maia vive às turras. O pacote ainda precisa passar pelo crivo do Senado. Para Guedes, seria uma irresponsabilidade fiscal dar “um cheque em branco para governadores de Estados mais ricos”. Trata-se de um duelo com João Doria (São Paulo) e Wilson Witzel (Rio), dois adversários políticos de Bolsonaro e pré-candidatos à sua sucessão, em 2022.

Atacado pelo líder do governo, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), o presidente da Câmara se queixou da forma como tem sido tratado pelo Planalto. “Você entra por uma porta e, quando sai, leva um coice. Essa é a relação que o governo tem tido com os políticos do Congresso Nacional desde que assumiu o poder”, resumiu ele.

Diante de tantas crises, por que mesmo bolsonaristas/olavistas contam os dias para a saída de Toffoli da presidência do Supremo e para a aposentadoria compulsória de Celso de Mello da Corte?

A ala ideológica do governo nunca perdoou Toffoli por dar o voto de Minerva que derrubou a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, em novembro do ano passado, abrindo caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com Celso de Mello foram muitos os embates, mas basta lembrar o sucinto comentário feito pelo magistrado quando o Estado revelou, em fevereiro, que Bolsonaro havia compartilhado pelo WhatsApp um vídeo convocando manifestações contra o Congresso e o Supremo. À época, Mello disse que Bolsonaro demonstrava hostilidade aos demais Poderes da República e uma visão indigna de quem não está “à altura do cargo”. Precisa mais?

Estadão