Bolsonaro busca ministro que cale ante suas asneiras

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Foto: ISAC NÓBREGA/PR

No dia em que o governo federal anunciou mais 204 mortes em decorrência da Covid-19, o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) deu nesta quarta-feira (15) uma entrevista em tom de despedida ao lado de sua equipe, afirmou haver descompasso com o Palácio do Planalto e indicou a sua demissão como certa.

Para a equipe que substituir a atual, ele voltou a defender a manutenção do caminho da ciência, em uma crítica indireta às pressões que sofre do presidente Jair Bolsonaro, contrário ao isolamento social e defensor do uso de medicamento sem eficácia e segurança comprovadas.

Bolsonaro vinha batendo de frente com seu auxiliar e, nos últimos dias, deu celeridade à busca por um substituto. Entre os cotados estão médicos de hospitais de referência como Albert Einstein e Sírio Libanês.

A preferência é por um nome técnico e que gere o mínimo de contestações. Nesta quinta (16), Bolsonaro deve receber o oncologista Nelson Teich, um dos nomes sugeridos a ele e que também é empresário.

Em entrevista à revista Veja publicada na noite desta quarta-feira, Mandetta afirmou que fica “até encontrarem uma pessoa para assumir meu lugar”. O ministro disse que está “há 60 dias nessa batalha” e que “isso cansa”.

Questionado sobre o que seriam esses 60 dias, respondeu: “Sessenta dias tento de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante”.

Inicialmente, Bolsonaro fazia questão de nomear alguém que fosse alinhado a ele na defesa do que chama de “isolamento vertical”, focado apenas em grupos de risco, e no uso da hidroxicloroquina em pacientes em fase inicial da doença.

No entanto, de acordo com aliados, passou a aceitar uma alternativa que, embora tenha uma visão diferente da dele no combate à doença, não adote posição de confronto ou o desautorize em público.

A ideia principal, como reafirmou um ministro do governo, é escalar alguém que ajude a reduzir um eventual desgaste público com a saída de Mandetta.

O oncologista Nelson Teich será o primeiro na lista de cotados para substituir Mandetta a ser recebido por Bolsonaro. O médico também deverá conversar com ministros palacianos nesta quinta.

Teich chegou a ser cotado durante a campanha presidencial, em 2018, para assumir a Saúde, e teve reuniões com Bolsonaro para tratar de suas propostas para a área.

​Ele conta com o respaldo da comunidade judaica de São Paulo e de Meyer Nigri, fundador da Tecnisa e apoiador de Bolsonaro desde a eleição. O nome de Teich também ganhou força após receber respaldo de setores importantes da área médica.

​Em seu perfil no LinkedIn, Teich se apresenta como conselheiro do secretário Denizar Vianna (Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos), do Ministério da Saúde, em dois períodos: setembro de 2019 a janeiro de 2020 e fevereiro a março deste ano, intervalo que coincide com o surto do novo coronavírus.

Outro médico da comunidade judaica é Claudio Lottenberg, que é presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein. Ele conta com apoio de Fabio Wajngarten, secretário especial de Comunicação Social da Presidência, cujo pai também é médico do hospital paulista.

Bolsonaro também tem simpatia pelo cardiologista Otávio Berwanger, que, no início do mês, participou de reunião com um grupo de médicos no Planalto. Berwanger é diretor da organização de pesquisa acadêmica do Einstein e coordenador de estudos epidemiológicos da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. O entorno do presidente, no entanto, avalia que ele dificilmente aceitaria.

Aliados do presidente também apresentaram como sugestão um convite ao cardiologista Roberto Kalil, que coordena a área no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Ele e o presidente conversaram na semana passada, depois que o cardiologista admitiu ter usado hidroxicloroquina para tratar a Covid-19. Bolsonaro chegou a elogiá-lo publicamente.

O presidente é um entusiasta do medicamento e vem defendendo sua aplicação ainda na fase inicial tratamento. Esse também é um dos principais pontos de divergência com Mandetta.

“Claramente há um descompasso entre o Ministério da Saúde [e o presidente], e isso daí a gente colocou”, afirmou o ministro na fala realizada no Palácio do Planalto nesta quarta, ocasião em que chegou a dizer, inclusive, já ter recebido telefonemas de pessoas sondadas para sua vaga.

Uma parte da ala militar, preocupada com uma política de continuidade, tentou emplacar o nome do número 2 da Saúde, João Gabbardo, inclusive como uma possibilidade de solução temporária, mas o auxiliar de Mandetta deixou claro que irá deixar a função junto com o chefe.

“Eu tenho compromisso com o ministro Mandetta. Ele me convidou, o dia que ele sair eu saio junto. Eu entrei no Ministério da Saúde muito jovem, em 1981. Ano que vem completo 40 anos de ministério e eu não vou jogar no lixo esse meu patrimônio”, disse.

Ainda numa solução caseira, a oncologista Maria Inez Gadelha, que atua na Secretaria de Atenção à Saúde, também está na bolsa de apostas. A servidora conta com apoio sobretudo na bancada federal da Saúde. Maria Inez é natural da Paraíba e atua na medicina especializada em câncer há 30 anos.

Apesar de nomes pipocarem a todo o tempo na mesa do presidente e entre as diversas alas de aliados, não há ainda um candidato considerado forte e unânime, por isso a substituição de Mandetta pode ficar até para o início da próxima semana.

Para evitar estender ainda mais o cenário de desgaste, a equipe do Planalto tenta correr contra o tempo para solucionar o impasse no comando da Saúde. Eles querem evitar que isso coincida com o pico da pandemia do novo coronavírus no país, o que pode acontecer nas próximas semanas.

A interlocutores Mandetta reclamou de interferências e das tentativas constantes do presidente em tentar rebater as ações do ministério.

Na entrevista coletiva desta quarta, ele disse que deixará a pasta junto com o secretário de vigilância em saúde, Wanderson Oliveira, e com João Gabbardo. Ele admitiu que há um descompasso com o Palácio do Planalto e repetiu que só tem o caminho da ciência a oferecer.

Para demonstrar força, enquanto vive um processo de fritura pública por parte de Bolsonaro, o ministro disse que ele e seus auxiliares formam uma “família”.

“Estamos aqui eu, Wanderson e Gabbardo. Entramos juntos, estamos juntos e sairemos do ministério juntos”, disse Mandetta. “Vamos trabalhar juntos até o momento de sairmos juntos do Ministério da Saúde”, completou.

Mandetta também disse ter avisado a outros ministros, como o chefe da Casa Civil, Braga Netto, que deixaria “tudo arrumado” para seu sucessor.

Wanderson chegou a pedir demissão, mas Mandetta não aceitou. O ministro comentou o pedido de demissão de seu auxiliar. “[Wanderson] mandou lá: ‘Eu ia sair’. Eu [disse]: ‘não aceito’. Estamos aqui tudo junto e misturado ainda. Mais um pouco.”

Em meio ao clima de despedida, Mandetta deu ordens internamente para que sua equipe acelere a publicação de trabalhos técnicos.

Ele e demais dirigentes da Saúde, como Oliveira, pretendem concluir as atividades que há para finalizadas até, no máximo, esta quinta-feira.

Há uma preocupação com a transição na Saúde, para que a saída do atual ministro não se dê sem que haja memória do trabalho produzido até aqui, com mais de um mês de crise.

Desde a semana retrasada, o presidente já havia decidido trocar o comando da pasta, mas tinha receio da repercussão de uma mudança em meio à pandemia de coronavírus.

Nesta quarta, Bolsonaro disse que resolveria “a questão da Saúde” para “tocar o barco”. No ministério, a expectativa é que Mandetta seja demitido até o fim desta semana.

“Pessoal, estou fazendo a minha parte”, disse o presidente a apoiadores que o aguardavam na frente do Palácio do Alvorada pela manhã. “Resolveremos a questão da Saúde no Brasil para tocar o barco”.

Folha