Bolsonaro fala mais fino, mas segue pregando “genocídio”

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Foto: Reprodução

Em seu quarto pronunciamento sobre a crise do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudou o tom de seu discurso e pediu um pacto nacional para o enfrentamento à pandemia.

Depois de criticar em sua última aparição em TV gestores locais pelas medidas de isolamento social, além de culpar a mídia por espalhar pânico na população, ele pregou nesta terça-feira (31) a junção de esforços.

“Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade”, declarou.

Se em outras ocasiões comparou a doença a uma gripezinha e a um resfriadinho, Bolsonaro desta vez disse que o país enfrenta um grande inimigo. “Estamos diante do maior desafio da nossa geração. Minha preocupação sempre foi salvar vidas.”

Isolado dentro e fora do governo, o presidente falou por sete minutos e 32 segundos, enquanto se ouviam panelaços em diversas cidades do país contra seu discurso.

Ele voltou a usar declarações do diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para sustentar tese que equipara o salvamento de vidas ao de empregos.

O presidente citou trechos de entrevista do chefe da entidade na véspera, na qual enfatizava que os governos devem ter preocupação com os mais pobres durante a pandemia.

Ghebreyesus reiterou a importância do confinamento para a prevenção do coronavírus e disse que os países que adotarem quarentena como uma das formas de conter a disseminação do devem respeitar a dignidade e o bem-estar dos cidadãos.

Bolsonaro tem defendido o isolamento apenas parcial da população, dos grupos com maior risco de contaminação, de forma que parte dos trabalhadores possam sair.

Para especialistas e o próprio Ministério da Saúde, a estratégia é ineficaz.

“Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos. Por um lado, temos de ter cautela e precaução com todos, principalmente junto aos mais idosos e portadores de doenças preexistentes. Temos de combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial entre os mais pobres. Vamos cumprir essa missão, ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas”, afirmou Bolsonaro nesta terça.

No pronunciamento anterior, o presidente foi explícito na defesa do chamado isolamento vertical, restrito a idosos e pessoas com doenças preexistentes. Nesta terça, ateve-se a expor as razões segundo as quais vem batendo nessa tecla.

Alegou ser necessário “evitar ao máximo qualquer perda de vidas humanas”, mas que, “ao mesmo tempo, deve-se evitar a “destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros”.

Conforme mostrou a Folha, as novas declarações ocorrem após ministros do governo, como Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), defenderem as medidas propostas pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que divergem das de Bolsonaro.

“Não me valho destas palavras para negar a importância das medidas de prevenção e controle da pandemia, mas para mostrar que, da mesma forma, precisamos pensar nas mais vulneráveis . Essa tem sido a minha preocupação desde o princípio: o que será do camelô, do ambulante, do vendedor de churrasquinho, da diarista, do ajudante de pedreiro, do caminhoneiro e dos outros autônomos com quem venho mantendo contato durante toda a minha vida pública?”, questionou.

As falas se deram no mesmo dia em que o governo anunciou que o número de mortes pelo novo coronavírus no Brasil subiu para 201. O registro de 42 óbitos em apenas um dia é o maior até agora.

O pronunciamento também coincidiu com o aniversário do golpe de 1964, que instaurou a ditadura militar no Brasil, apoiada por Bolsonaro, mas ele não o mencionou.​

O presidente dedicou boa parte do discurso a elencar as iniciativas de enfrentamento à Covid-19. Disse que a Saúde está providenciando leitos com respiradores e a compra de testes para o novo coronavírus.

Destacou ainda que, em acordo com a indústria, o reajuste no preço de medicamentos será suspenso por 60 dias.

Na área econômica, citou o benefício de R$ 600 a ser pago aos trabalhadores informais, a ampliação do número de beneficiários do Bolsa Família e a criação de linhas de crédito para as empresas.

Bolsonaro reconheceu que ainda não há remédio para o coronavírus, “apesar de a hidroxicloroquina parecer bastante eficaz”. Ele afirmou também que os laboratórios militares produzirão, em 12 dias, 1 milhão de comprimidos dessa substância, além de álcool em gel.

​O presidente justificou a ênfase que tem dado no aspecto econômico da Covid-19 alegando que precisa pensar “além dos próximos meses”.

“O efeito colateral de medidas de combate ao coronavírus não pode ser pior do que a própria doença. A minha obrigação como presidente vai para além dos próximos meses: preparar o Brasil para sua retomada, reorganizar nossa economia e mobilizar todos os nossos recursos e energia para tornar o Brasil ainda mais forte após a pandemia”, argumentou. “O coronavírus veio e um dia vai embora. Infelizmente teremos perdas nesse caminho.”

Folha de S. Paulo