Brasil vê isolamento cair às vésperas do pico da pandemia

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Foto: Joel Silva/Folhapress

Menos de uma semana depois de ser escolhido como o novo ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich anunciou ontem que o governo federal vai lançar uma diretriz para que estados e municípios possam criar políticas e programas próprios em relação ao isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus. A proposta será apresentada na semana que vem pela pasta.

“A gente tem de tentar entender melhor isso aí”, disse o novo ministro durante entrevista coletiva, em que argumentou que “o isolamento é uma medida natural e lógica na largada, mas ele não pode não estar acompanhado de um programa de saída”.

O anúncio do desenvolvimento dessa diretriz vem num momento em que, às vésperas de alcançar a marca de 3.000 mortes pela covid-19, o sistema de saúde já mostra sinais preocupantes.

A escassez de leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva) em muitas cidades e a sobrecarga no sistema funerário, de um lado, e as pressões políticas pelo fim das medidas de restrição social, de outro, colocam os estados em situações desafiadoras pelo país.

Em Manaus, além de enfrentar falta de leitos, a cidade passou a abrir covas coletivas para enterrar as vítimas da doença. Na terça, o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) chorou ao se referir ao “estado de calamidade” da capital do Amazonas. Na região metropolitana, o município de Manacapuru é o que possui a maior incidência do novo coronavírus no país.

Ontem, o governador do Amazonas, Wilson Miranda Lima (PSC), mostrou preocupação com o avanço da pandemia no estado que, segundo ele, ainda não atingiu o pico. “Devemos ter nos próximos 10, 15 dias, um problema muito grave”, afirmou. O Amazonas tem o triplo de mortes da média do país.

No estado vizinho, o Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) não descarta que a situação chegue a nível tão preocupante, pois o índice de ocupação dos leitos de UTI já é de 91%. “Eu não posso descartar essa hipótese de Belém ficar igual a Manaus. Nós estamos em um momento muito crítico”, afirmou.

Praticamente já não há leitos também em Pernambuco, que registra 99% de ocupação em UTIs. Uma semana depois de registrar fila de espera para casos graves de covid-19 por falta de leitos de UTI, o Ceará superou a marca de mais de 4 mil pacientes diagnosticados.

Temendo que a situação chegue a níveis preocupantes no Maranhão, que tem 70% dos leitos ocupados, o governador Flávio Dino (PCdoB) anunciou que tem pronto um decreto de lockdown (fechamento total de atividades) se a ocupação chegar a 80%.

O índice que preocupa Dino é a realidade que o Rio de Janeiro já enfrenta. No estado, que superou ontem a marca de 5,5 mil casos oficiais, 78% dos leitos de UTI estão ocupados e dezenas de pacientes têm sido transferidos para o interior, a até 100 km de distância da capital.

Líder da resposta da OMS (Organização Mundial da Saúde) à pandemia, a epidemiologista Maria Van Kerkhove afirmou que existe uma tendência de aumento nos casos de coronavírus na América do Sul, o que é “preocupante”. Desde o início da crise, a organização tem recomendado o isolamento social como forma de conter o avanço das contaminações e adiar o colapso dos sistemas de saúde.

Em entrevista coletiva, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, afirmou que protestos por parte de cidadãos contra quarentenas “não ajudam” e podem aumentar o surto. “Muitos países estão em estágio inicial. Outros veem reaparição de casos”, afirmou.

Durante o feriado, diversas capitais registraram carreatas a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e contra o isolamento social. Alvo de alguns desses protestos, o governador João Doria (PSDB) anunciou hoje um plano de retomada das atividades econômicas no estado a partir de 11 de maio.

O término da quarentena deverá respeitar um cronograma por fases e será diferente por região. A aplicação do plano levará em conta a disponibilidade de leitos nos hospitais — a taxa de ocupação dos leitos de UTI na Grande São Paulo é de 74%, índice que cai para 53% se considerado todo o estado.

Contudo, o governo projeta que terá 3,2 mil mortes oficiais dentro de duas semanas, quando a doença deve atingir o pico no estado, o que deve causar alterações nesses índices. Outro fator que pode contribuir negativamente, com o aumento de pessoas infectadas, é a baixa adesão do isolamento social. Na manhã de ontem, a capital paulista registrou trânsito recorde desde o início da quarentena: 19 km de lentidão às 8h, segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

No Distrito Federal, o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF) também anunciou que pretende reabrir grande parte do comércio a partir de maio, após iniciar uma testagem em massa para detectar casos. Até o momento, são 946 casos oficiais e 25 óbitos confirmados.

Já no Mato Grosso, o governador Mauro Mendes (DEM) pretende retomar as aulas presenciais nas redes pública e privada no próximo dia 4. “Em caso de manutenção da taxa de ocupação de leitos de UTIs públicas exclusivas para covid-19 inferior a 60% no âmbito estadual até o dia 30 de abril de 2020, as atividades escolares presenciais da educação infantil e de ensino fundamental, médio e superior, público e privado, poderão ser retomadas em 4 de maio de 2020”, escreveu o governador.

Com 1.091 casos e 37 mortos em Santa Catarina, a capital Florianópolis já começou a flexibilizar o isolamento social a partir de ontem, com a reabertura de centros comerciais e restaurantes, com regras mais rígidas do que o usual. “Se ultrapassar os limites, voltamos a restringir”, alertou o prefeito Gean Loureiro. No primeiro dia de retorno, um shopping em Blumenau já registrou aglomeração de pessoas, que foram recebidas ao som de um saxofonista.

Na mesma linha, o Espírito Santo, onde foram diagnosticados 1.313 pacientes e confirmados 34 óbitos por covid-19, já permitiu que o comércio volte a funcionar em 72 cidades. A decisão foi tomada considerando que os municípios apresentam risco de contaminação do novo coronavírus baixo ou moderado.

A Secretaria Estadual da Saúde explicou que foram estabelecidos critérios epidemiológicos orientados por estudos realizados pela própria secretaria em parceria com o corpo de bombeiros, Defesa Civil, Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) e Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), conciliados com orientações do Ministério da Saúde.

“Se o município tiver poucos casos, mas a rede de saúde que atende a sua região estiver com 90% de uso, esse município passará ao nível de risco alto. Caso a rede de saúde estadual esteja com 90%, todos os municípios da região passarão ao nível de risco extremo”, explicou o secretário de Saúde, Nésio Fernandes.

Uol