Briga de Bolsonaro e Mandetta desorienta população

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

A pandemia da covid-19 desperta um sentimento majoritário de raiva na América Latina, mas no Brasil o que impera é a desconfiança. Raiva e ansiedade, respectivamente, ocupam as posições seguintes no ranking de sentimentos brasileiros, revela um relatório preparado pela consultoria Ágora Public Affairs & Strategic Communications, com escritórios em Buenos Aires, Cidade do México, Medellín e Bogotá. Para o cientista político Santiago Lacase, sócio-presidente da Ágora na Argentina, os sentimentos estão diretamente relacionados à comunicação governamental, ou seja, a “que tipo de prioridade os governos estão desenvolvendo para lidar com a pandemia”. “E isso mostra também uma distinção: os governos que privilegiam o combate à pandemia e os governos que privilegiam a economia, e não tanto a saúde”, afirmou ao Valor.

A consultoria começou a fazer esse trabalho em fevereiro. As medições são feitas com base em menções nas redes sociais, desde janeiro. Lacase sustenta que os presidentes da maior parte da América Latina estão focados em uma estratégia de comunicação sobre a crise. “Esse não é o caso do Brasil e México, países em que os presidentes, de certa maneira, negam preocupação com a situação”, opinou o cientista político. As reações das pessoas estão ligadas também à política adotada por cada governo nacional, se o caminho da contenção horizontal ou o isolamento vertical. “O pior que pode ocorrer é haver situações ao meio e muito confusas. Me parece que é o que ocorreu nos Estados Unidos e é o que está acontecendo com o Brasil. As decisões acabam saindo muito tarde”, aponta o cientista político.

De acordo com o sócio-presidente da Ágora no Brasil, Everton Schultz, a medição de sentimentos, e não apenas de “volumes de conversas nas redes sociais”, é fundamental para orientar empresas sobre o que as pessoas estão pensando, mas também balizar políticas públicas com base nas reações das sociedades às medidas de contenção da pandemia. Para fazer essas medições é utilizada a plataforma Infegy Atlas, líder de análise de mídia social sobre comportamento de usuários. As análises são feitas a partir de palavras que “calibram a ferramenta”, explica Schultz. Ele diz que a variação de sentimentos é muito perceptível no Brasil, e levanta uma hipótese sobre o fato de a sensação predominante entre os brasileiros ser de desconfiança: “Como houve muito bate-cabeça entre governo federal, Estados e prefeituras, isso deixa o brasileiro com muita desconfiança sobre o que vai acontecer, a seriedade do assunto, sobre o que pode acontecer”.

Um outro sentimento forte no Brasil, que destoa do resto da América Latina, é a ironia. “No Brasil podemos julgar a ironia como uma consequência da desconfiança”, arrisca Lacase. Ele admite que, aqui, caberia uma análise muito mais antropológica sobre a personalidade dos brasileiros, mas acredita que como as ações políticas não estão unificadas no Brasil, como não há um norte de estratégia e comunicação nacional, essa ironia pode estar traduzir críticas sobre ações políticas.

Os pronunciamentos polêmicos do presidente Jair Bolsonaro em cadeia nacional, por exemplo, geram reações contraditórias sobre as ações de preservação da vida e de preocupação com a economia. Os posts irônicos, aponta o relatório, abordam tanto assuntos políticos quanto a rotina da quarentena. O pico do sentimento de ansiedade coincide com o dia 22 de março, quando Bolsonaro, em entrevista à TV Record, e chamou os governadores de “exterminadores de emprego”. “Brevemente, o povo saberá que foram [sic] enganados por esses governadores e por grande parte da mídia nesta questão do coronavírus”, afirmou o presidente na ocasião. Desde então o presidente não segue uma linha em seus pronunciamentos, oscilando entre pedidos de união nacional contra a doença e ataques a governadores, prefeitos e demais Poderes.

A pandemia, destaca Lacase, potencializou o mal-estar da população na América Latina, que era crescente, com fortes reações sociais, por conta das graves situações econômicas. “A essa emoção, de raiva, virá a se somar a crise econômica, após o controle da pandemia. O grande desafio dos governos é administrar o que já havia de descontentamento antes com o impacto da pandemia e uma nova crise econômica acentuada.” Para ele, o contexto social da América Latina ficará ainda mais complexo, com munição a protestos sociais. “Os governos terão o seu antes e seu depois. As pessoas vão julgar os governos sobre como enfrentaram a crise sanitária e de saúde e também sobre os impactos econômicos que vierem depois.”

Valor