Carla Zambelli reclama de Moro

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Foto: Reprodução

Carla Zambelli está chateada com Sergio Moro, o padrinho que chegou a fazer discurso em sua cerimônia de casamento há apenas dois meses. No dia de sua demissão, o ex-ministro da Justiça divulgou uma troca de mensagens com a deputada federal do PSL para mostrar que não havia condicionado sua permanência no cargo a uma indicação ao Supremo Tribunal Federal – como insinuou o presidente Jair Bolsonaro após a saída de Moro.

“Amizade é uma via de mão dupla. Quando a gente fala de amizade, a gente fala de lealdade, de admiração, de carinho, de querer bem a pessoa, querer protegê-la. Isso é o que eu considero uma relação de amizade”, definiu a parlamentar. Mas ela diz que a via acabou sendo de mão única. E expressa sua mágoa com o amigo. “Sou a deputada que mais defendeu o Moro no Ministério da Justiça”, constatou.

Na festa de casamento, Moro assumiu o microfone para mencionar Zambelli como a “guerreira” que “merecia uma medalha”. A relação que parecia ser marcada por uma admiração mútua chegou ao fim na última sexta-feira (25) quando o presidente Bolsonaro oficializou a saída de Maurício Valeixo, então diretor-geral da Polícia Federal. A mudança, sem o aval de Moro, desencadeou seu pedido de demissão.

Zambelli classificou como uma “guerra fria” a relação mantida entre Bolsonaro e Moro nos últimos meses.

Nas mensagens divulgadas por Moro, apresentadas pelo Jornal Nacional, Zambelli diz: “Por favor, ministro, aceite o Ramage”, em referência a Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que nesta semana acabou sendo confirmado como diretor-geral da Polícia Federal. A deputada sugere que Moro aceite a mudança na PF. “E vá em setembro pro STF”, escreveu a parlamentar. “Eu me comprometo a ajudar”, acrescentou. O ex-ministro rechaçou a possibilidade: “Prezada, não estou à venda”, afirmou.

O conteúdo da conversa motivou um pedido de cassação da deputada, protocolado pelo PSOL na última segunda-feira (27). No documento, encaminhado à Corregedoria e ao Conselho de Ética da Câmara, Zambelli é acusada de abusar de suas prerrogativas ao oferecer uma vaga do STF ao ex-ministro da Justiça. O ato, segundo o pedido do PSOL, configura “quebra de decoro parlamentar”.

Em entrevista a ÉPOCA, Zambelli diz que não estava tentando negociar com Moro durante a conversa: “não tem nada a respeito de venda ou de compra de nada”. Ela afirmou que, na troca de mensangens, tentou convencê-lo a permanecer no governo e sinalizou sua disposição em ajudar em uma eventual indicação ao STF. “Quando você fala “não estou à venda”, tem que ter um contexto. Não era o que ele alegava. O contexto era ‘ministro, por favor, fica no governo, pelo amor de Deus’.”

O ministro Moro foi seu padrinho de casamento em 14 de fevereiro deste ano. O que mudou na relação entre vocês após a demissão?

Conheço o Moro pessoalmente desde 2016, mas não tinha contato com ele. Minha relação era de admiração. Em todas as manifestações do movimento ‘Nas Ruas’, eu fazia homenagens ao Moro, com os bonecos dele de super-herói. A nossa camiseta era ‘mexeu com Moro e a Polícia Federal, mexeu comigo’. Então, sempre no sentido de proteger a imagem dele e da Lava Jato.

Quando me tornei deputada, ele leu meu livro e agradeceu pelas menções honrosas que tinha feito a ele. E a gente começou a ter um contato não muito assíduo, mas pelo celular. Depois, conheci o Aginaldo, meu marido e passei a ter contato mais próximo com Moro, porque meu marido é diretor da Força Nacional (vinculada ao Ministério da Justiça). Os dois tinham uma relação diária de trabalho.

Por conta da admiração e do respeito que a gente tinha por ele, meu marido o convidou para ser nosso padrinho de casamento, e ele aceitou. Ele chegou a elogiar minha atuação como ativista. Mas essa coisa do ‘prezada’, esse tratamento formal, sempre foi presente na vida dele. Ele é assim na vida pessoal.

A senhora classifica essa relação como amizade?

Da minha parte, era. Amizade é uma via de mão dupla. Quando a gente fala de amizade, a gente fala de lealdade, de admiração, de carinho, de querer bem a pessoa, querer protegê-la. Isso é o que eu considero uma relação de amizade. De mim para ele era isso. Dele para mim, quero crer agora que não era uma relação de amizade.

A amizade que eu tinha com ele era uma via de mão única, mas fui fiel ao Moro desde 2014.

Com que frequência vocês se falavam?

Eu o procurava quando havia algo em que poderia ajudar, como o pacote anticrime. Sou a deputada que mais defendeu o Moro no Ministério da Justiça. Se pegar minhas participações nas comissões do ano passado, todas são no sentido de ajudar o Moro.

Inclusive consegui derrubar uma convocação dele numa comissão de participação legislativa que achava que era desnecessária, que só iria desgastar a imagem dele. Esse era o tipo de relação que tinha com ele.

Em que momento a senhora começou a falar com Moro sobre a troca na PF e a indicação ao STF?

No dia 23 ( véspera da demissão de Moro). Mas eu já tinha encontrado com ele pessoalmente, e a gente sempre comentava “nosso futuro ministro do STF”. Era uma brincadeira que se fazia com ele, tinha hashtag, é de conhecimento público e notório que toda a população contra a corrupção tinha essa vontade de vê-lo no STF. E ele nunca negou. Em todas as entrevistas, ele falava que não existia uma vaga e só conversaria quando existisse.

A nossa conversa não tem nada a respeito de venda ou de compra de nada. Quando você fala “não estou à venda”, tem que ter um contexto. Não era o que ele alegava. O contexto era “ministro, por favor, fica no governo, pelo amor de Deus”.

Tinha mostrado para ele o quanto a saída podia prejudicar o país. Falei “fica até novembro pelo menos”, porque a crise com o coronavírus já poderia ter chegado ao fim, e aí a gente tentaria convencer o presidente a prometer a vaga. O contexto era esse, que eu o ajudaria.

Como deputada federal, não tenho poder nenhum de nomear ninguém, mas o Parlamento, de uma maneira geral, pode influenciar na escolha de um candidato. O que eu dizia era “vamos evitar uma crise e te colocar no STF” para que a saída fosse a mais leve possível.

Foi iniciativa sua falar com Moro ou o presidente Bolsonaro pediu essa interlocução?

Não falei com o presidente, não tem nenhuma troca de mensagem com ele. Sabia que o Palácio do Planalto não queria que ele saísse porque ia gerar uma crise. Mandetta tinha acabado de sair. A gente sabia que o presidente queria trocar o Valeixo há muito tempo pelos motivos dele, mas a gente não queria que fosse esse o motivo para ele (Moro) sair.

Ele falou para mim que ficaria se o Valeixo ficasse, se o presidente revertesse a demissão. O problema não eram as interferências nem nada. O problema era só a troca do Valeixo.

Moro disse que o presidente Bolsonaro quer interferir politicamente na Polícia Federal. Qual é sua avaliação sobre esta acusação?

As únicas coisas palpáveis são: o presidente ter exonerado o Valeixo – isso não é interferência na PF, é constitucionalmente um direito do presidente – e a outra é um print que ele mostra, um link de uma reportagem falando da perseguição que os deputados estão sofrendo por terem publicado uma carreata a favor do Bolsonaro. Existe um contexto que o Moro não mostra.

Não tem a ver com interferência, mas com prioridade. Ele não queria mudar o direcionamento das investigações, não queria ter acesso às investigações, não queria direcionar o trabalho da PF. Ele só pergunta. Vai precisar de muito mais coisa para provar. Se houvesse uma interferência, a própria PF poderia ter falado na hora.

Já coloquei meu celular à disposição publicamente, não tenho nada a esconder. Se ele tem provas, registros anteriores, e mesmo assim seguia no cargo, deixa claro que prevaricou. Deveria ter entregue as provas no momento em que aconteceu o crime.

A senhora conversou com Moro após a demissão?

Ele não me procurou. Moro entrou pela porta da frente e poderia ter saído por ela também. Se existia algo contra o presidente, como juiz, ele deveria ter juntado essas provas, levado ao PGR e pedido demissão para o presidente.

Não precisaria fazer da forma como fez. Em nenhuma empresa se pede demissão via entrevista coletiva. Você chega no seu chefe e pede demissão. Foi como o Mandetta fez, saiu pela porta da frente. Moro não falou com o presidente, só no dia anterior, tudo foi oferecido para ele para ficar.

O que foi oferecido?

O Valeixo falou para mim que pediu demissão, mas o Moro não aceitou. Então o Valeixo tinha pedido demissão. E o que foi oferecido para o Moro foi tentar compor o nome. Se não fosse o Ramagem, poderia se fazer um sorteio entre três nomes, como o presidente falou. Mas ele preferiu convocar uma coletiva sem a autorização do presidente, pedir demissão e fazer acusações.

Como era a relação entre Moro e o presidente Bolsonaro?

O Moro é uma pessoa reservada. Quem chama sua afilhada de prezada é uma pessoa reservada, que evita intimidade, que evita ser exposto. É mais frio, tem uma personalidade mais fechada. E o presidente é uma pessoa completamente aberta, que fala tudo o que pensa, confia nas pessoas e espera isso de volta. E acho que ele não sentia que o Moro confiava nele. Acabava gerando um atrito entre os dois. Uma guerra fria. Acho que o que aconteceu entre os dois não foi um embate, mas uma guerra fria, uma incompatibilidade de personalidades.

Época