Cidade mais bolsonarista agora ignora Bolsonaro

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Município onde Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais com a maior margem percentual de votos, Nova Pádua (RS) tem cerca de 2.500 moradores e nenhum caso confirmado do novo coronavírus. Mesmo assim, a cidade mudou a rotina diante da pandemia.

As escolas e quase todo o comércio seguem fechados. Consultas odontológicas foram suspensas. Academias e o ginásio esportivo também não abrem. Cultos religiosos e eventos com aglomeração de pessoas não estão autorizados.

Nova Pádua nasceu de imigrantes da Itália —segundo país com maior número de mortes na pandemia, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2018, a cidade foi quase unânime na eleição: 93% dos votos válidos para Bolsonaro, que tem minimizado os impactos e o alcance da Covid-19.

Entre a preocupação com a gravidade do vírus e o desprezo de Bolsonaro à situação, o prefeito Ronaldo Boniatti (PSDB) diz que não houve dúvidas na hora de agir.

Antes mesmo de grandes centros urbanos brasileiros, Nova Pádua passou a adotar medidas de restrição à circulação de pessoas para evitar que a Covid-19 chegasse ao município.

Descendentes de italianos que chegavam da Europa ficaram em quarentena —isso valia inclusive para quem não pertence ao grupo de risco do coronavírus.

A prefeitura divulga um boletim diariamente nas redes sociais atualizando a população sobre o quadro da Covid-19. Onze pessoas continuam em isolamento preventivo por apresentarem sintomas de síndrome gripal; um caso descartado e nenhum confirmado, dizia o balanço desta segunda-feira (13).

Apesar de pequena, a cidade fica a menos de 40 km de Caxias do Sul, com 500 mil habitantes e 17 casos confirmados de coronavírus.

Foi o voto antipetista e o desejo por mudança no poder que levou Nova Pádua a ser a zona mais bolsonarista do Brasil em 2018. O PT nem diretório municipal tem lá.

Mas a condução de Bolsonaro diante da pandemia tem decepcionado.

“Ele tomou medidas contra o coronavírus. Aí, em outro pronunciamento, muda de postura. Não entendo, muitas vezes, qual o direcionamento. Ele tenta não deixar a economia ir a zero, mas essa é uma questão de saúde pública”, disse o presidente da Avenp (Associação Vêneta de Nova Pádua), Alvirio Tonet.

A cidade da Serra Gaúcha teve forte imigração da região de Vêneto, no norte da Itália e uma das mais afetadas no mundo pela Covid-19.

A volta à normalidade, pregada por Bolsonaro quando chamou o contágio de “resfriadinho”, também não encontra respaldo nas autoridades da cidade que mais apoiou o presidente nas eleições.

“Temos que ter embasamento científico. A gente não pode fugir disso. Tem que ponderar a questão econômica, sim, restringindo ou liberando mais. É uma avaliação a ser feita todos os dias nessa crise, mas olhando as evidências”, afirmou o prefeito.

Prefeito de Nova Pádua, Ronaldo Boniatti (PSDB) – Felipe Bächtold – 30.out.2018/Folhapress
O prefeito apoiou Bolsonaro no segundo turno de 2018 e acredita que o presidente poderá cair no descrédito ao se opor a recomendações técnicas do Ministério da Saúde e a orientações internacionais.

“Com essas declarações dele [Bolsonaro], o pessoal aqui acaba tendo algumas frustrações”, disse Boniatti.

O prefeito deve manter as escolas fechadas até o fim de abril, segundo a decisão do governo do Rio Grande do Sul. A cidade tem, além de uma creche pública, duas unidades de ensino —uma municipal e uma estadual.

Há cerca de três semanas, Bolsonaro pediu a abertura dos colégios, do comércio e o fim do isolamento. Essas medidas são adotadas por governantes na ampla maioria dos países com casos de coronavírus para reduzir as transmissões e evitar um colapso do sistema de saúde.

Nova Pádua tem um posto de saúde, que faz um atendimento geral. O hospital mais próximo fica a 15 km, em Flores da Cunha (RS). Há um convênio para transporte de emergência, se necessário.

Prevendo que o pico de contágio da Covid-19 ainda está por vir, a prefeitura avalia a compra de testes rápido para reforçar o enfrentamento.

Na seara econômica, Boniatti até chegou a abrir parcialmente o comércio e restaurantes entre os dias 31 de março e 1º de abril. Decreto estadual flexibilizou as regras e, a pedido do setor lojista, o prefeito permitiu o funcionamento, mas com limitações: metade da capacidade e após curso obrigatório sobre cuidados e medidas de prevenção.

Mas, com o avanço da pandemia no estado, o Rio Grande do Sul recuou, e o comércio e restaurantes em Nova Pádua voltaram a fechar as portas.

As medidas mais duras no município começaram logo após Bolsonaro descumprir orientações médicas e participar, no dia 15 de março, de manifestações contra o Congresso.

O decreto de Boniatti que suspendeu o transporte urbano e limitou a operação de bares e restaurantes ao serviço de delivery, por exemplo, foi editado dia 17 de março —dia da primeira morte por coronavírus no Brasil e primeiro dia de panelaço contra Bolsonaro nas grandes cidades.

O presidente, que já tinha chamado a pandemia de “fantasia”, tentou modular o discurso após críticas, mas, poucos dias depois, pediu o fim de medidas de isolamento por, na avaliação dele, se tratar de uma “gripezinha”.