Congresso vai suspender despejos

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Foto: Reprodução

Com o agravamento da pandemia do novo coronavírus e, consequentemente, dos impactos negativos sobre as atividades econômicas, deputados federais e senadores têm apresentado uma série de projetos legislativos voltados à adoção de medidas para minimização dos efeitos da COVID-19 sobre a sociedade.

Dentre as medidas apresentadas estão propostas que objetivam, por exemplo, a criação de moratória de até 180 dias para a cobrança de dívidas, sejam preexistentes ou futuras, a impossibilidade de negativação de pessoas inadimplentes por até dois anos, a aplicação de multas a empresas que dispensarem os seus colaboradores durante o período de crise e, de maneira bastante especial, a intervenção em relações contratuais que envolvam a locação de imóveis residenciais.

Com relação ao tema, até o momento, apenas na Câmara dos Deputados são contabilizadas seis propostas de alteração da Lei de Locações, todas com o viés de proteger inquilinos de eventuais despejos e de desobrigar o pagamento de aluguéis enquanto perdurar a crise da COVID-19.

O PL 936/20, de autoria do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), por exemplo, dispõe sobre a impossibilidade de locadores reaverem seus imóveis por meio de despejo durante todo esse período. Prevê, ainda, a possibilidade de o inquilino requerer desconto de até 100% do valor aluguel, com pagamento futuro em até 12 meses, desde que implementada a condição, diga-se, não suficientemente clara, de que estaria impossibilitado de prover o seu próprio sustento.

Já o PL 1.120/20, de autoria conjunta dos deputados federais Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Túlio Gadelha (PDT-PE), determina que, além da suspensão das ações de despejo e das reintegrações de posse de imóveis não inseridos sob a égide da Lei de Locações, como os apart-hoteis, não serão exigíveis sobre os alugueis do período de quarentena, qualquer modalidade de multa contratual ou correção monetária, propositura que, inclusive, vai de encontro com o posicionamento já há tempos firmado pelos tribunais nacionais, de acordo com o qual a correção monetária se caracteriza como mero instrumento de reposição do valor da moeda nacional, e não como meio de ganho de capital.

O PL 1.120/20 vai além. Propõe que inquilinos com remuneração mensal de até R$ 10.000,00 e cujo valor do aluguel não ultrapasse R$ 5.000,00, possam realizar, por conta própria, a retenção de 30% do valor pago, independentemente da concordância do locador. Sobre o valor dessas retenções, de igual modo, como antes previsto, não haveria a incidência de multa, juros moratórios e, novamente, da recomposição da moeda, por meio da correção monetária. O projeto, contudo, não impediria discrepâncias, já que não esclarece suficientemente se uma mesma pessoa, inquilino de vários imóveis nas condições preestabelecidas, poderia se valer do benefício em todos os seus contratos de locação.

Diante disso, a despeito da louvável tentativa dos congressistas em amenizar os impactos econômicos da crise sobre a saúde financeira de inquilinos, fica claro que todas as propostas partem do pressuposto que, diferentemente de inquilinos, locadores de imóveis residenciais não passarão por dificuldades financeiras por conta da COVID-19, podendo deixar de auferir a renda dos alugueis pelo prazo de até seis meses.

Situação semelhante é vivenciada no Senado Federal. Tramita na casa o PL 1.179/20, proposto pelo senador Antônio Anastasia (PSD-MG), cujo teor é bastante similar àqueles adotados na Câmara dos Deputados. O senador mineiro, nessa medida, visa a impossibilidade de despejo liminar de inquilinos por meio de ação judicial e a suspensão, total ou parcial, do pagamento de aluguéis até o dia 30 de outubro de 2020. Tal qual ocorre com os projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados, o PL não especifica regras ou condições concretas para a requisição do benefício e, por consequência, manutenção do equilíbrio contratual.

A severidade das medidas sobre locadores de todo o Brasil foi duramente criticada por outros senadores que, fazendo uso de pedidos de emenda ao PL, buscam a supressão de ambas as previsões. O próprio senador Antonio Anastasia parece ter se convencido de que a mera transferência de prejuízos, de inquilinos para locadores, não atenderia o interesse público e, por meio de suas redes sociais, já admitiu a possível retirada dos pontos do projeto.

A despeito disso, a discussão no Senado Federal parece estar longe do fim, já que dentre os 15 pedidos de emenda até o momento apresentados, existem senadores que demonstram concordar com a restrição ao direito de propriedade e, nessa linha, não se voltariam contra eventual manutenção dos dispositivos.

À parte das discussões travadas no Congresso Nacional, é necessário salientar a realidade dos contratos de locação residencial no Brasil está longe de ser desigual. De acordo com pesquisa elaborada pela instituição FIA-SECOVI, com base em dados da cidade de São Paulo, os proprietários de casas e apartamentos alugados são caracterizados por serem pequenos rentistas, ou seja, pessoas com renda mensal não muito superior à de seu inquilino e que possuem, apenas, um ou dois imóveis para locação. Não se trata o locador de imóvel residencial de um fundo de investimento imobiliário ou uma empresa especializada no setor, cuja estabilidade, mesmo com os impactos da crise, permitiria a manutenção de sua saúde econômica.

Além disso, a mesma pesquisa demonstra que, em alguns casos, o valor percebido a título de aluguel por proprietários-locadores chega a compor 40% de sua renda, fato que demonstra que, caso aprovada qualquer das propostas em trâmite, haverá a condenação do locador a uma situação financeira altamente instável.

Diante desse cenário, nota-se que as propostas atualmente em pauta no Congresso Nacional são, ao contrário do que pretendem os próprios congressistas, fomentadoras do desequilíbrio contratual. Elas se caracterizam por ser altamente lesivas à saúde financeira de milhões de brasileiros que, proprietários de mais de um imóvel, fazem uso dessa prerrogativa para complementarem sua renda.

Estadão