Coronavírus está isolando ricos do resto da humanidade

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Foto: Martin Bernetti/AFP

Mal se recuperava dos violentos protestos que tomaram conta das principais cidades em outubro do ano passado, o Chile se vê diante da ameaça de um novo aumento das tensões, com atores parecidos aos das manifestações de 2019. Essa é a visão do sociólogo Sebastián Depolo, professor da Universidade do Chile, a maior e mais antiga do país. A demora do governo federal em reagir à ameaça do novo coronavírus e a resistência dos mais ricos em respeitar as orientações de isolamento ajudaram a fazer com que a nação, a sexta em população na América do Sul, seja a terceira com mais casos de infectados, atrás apenas de Brasil e Equador, de acordo com o monitoramento da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. Para Depolo, um dos líderes do Revolução Democrática, pequeno partido de centro-esquerda chileno, a pandemia ao menos oferece ao atual governo a chance de melhorar um pouco sua popularidade.

Qual é a explicação para a evolução rápida do número de casos do novo coronavírus no Chile?

Primeiro, a pandemia pegou o governo muito mal articulado, ainda um reflexo da explosão social de outubro passado. O governo não tomou as medidas restritivas que eram necessárias e correu atrás da emergência. Ele não está dando a sensação de proteção que a população demanda. Outras organizações da sociedade civil, particularmente a associação de médicos, tiveram que ressaltar a importância da quarentena e as autoridades locais passaram a exigir medidas mais restritivas. Creio que isso explica porque o número de infectados segue crescendo tão rapidamente.

E as pessoas estão respeitando as medidas restritivas?

Em geral, as medidas restritivas são respeitadas pelas pessoas. Porém, dado que ainda não tenha sido decretada uma quarentena total, há muitas atividades que seguem funcionando, o comércio segue aberto, prejudicando a contenção do surto. Uma situação especial é a dos bairros mais ricos, que têm a maioria dos casos importantes (produto das viagens para fora do país). Eles são os que estão respeitando menos as medidas de cuidado e distância social. Está se criando uma polarização de classe, entre os mais ricos e o resto da população.

São as mesmas pessoas que ficaram fora dos protestos de outubro?

Sim, em geral a explosão social polarizou o país eem torno do nível de privilégio dos diferentes grupos sociais, e os que hoje não respeitam a quarentena são os mais privilegiados do país, os que comandam a economia e os que mais se beneficiaram do erroneamente chamado “milagre chileno”.

Há o risco de as tensões aumentarem de novo?

Creio que sim, que a polarização vai se manter durante a crise de saúde e dependerá de como o governo vai reagir nos próximos dias. Objetivamente, ele tem a responsabilidade de conduzir o país e além disso tem a oportunidade de ganhar alguma credibilidade. Atualmente, ela está no nível mais baixo desde o retorno da democracia, em 1990. É o governo menos popular em 30 anos no Chile.

O Globo