Desembargadora suspende presos no semiaberto por pandemia

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Foto: Reprodução

A desembargadora Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, do Tribunal de Justiça do Paraná, atendeu a pedido do Ministério Público do Estado e suspendeu decisões judiciais que colocaram 14 presos no regime semiaberto, com monitoramento eletrônico, por causa do coronavírus. Os detentos em questão foram condenados por crimes homicídio qualificado, feminicídio, roubos majorados, organização criminosa, tráfico de drogas, sendo um deles apontado como integrante do PCC.

Maria José considerou que, ‘em que pese a gravidade da atual pandemia que atinge diversos países do mundo, tal argumento, por si só, não é suficiente para ensejar na antecipação de progressão de regime prisional’. Segundo a magistradas, as decisões questionadas não traziam ‘fundamentação concreta, o que acaba gerando situações graves, colocando nas ruas pessoas perigosas, que cometeram crimes graves e violentos, antes da hora, subvertendo à ordem pública e causando insegurança jurídica, o que não pode ser admitido’.

A decisão foi proferida na última sexta, 3, e acolheu a medida cautelar impetrada pelos promotores Heric Stilben e Daniel Pedro Lourenço.

No mesmo dia, o Ministério Público do Estado enviou ofícios ao Corregedor-Geral de Justiça e ao Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná informando sobre a ‘reapreciações coletivas de prisões cautelares e definitivas’ em meio à crise do coronavírus. Os documentos indicam ainda que ‘repreciações’ ‘sugerem a adoção de imediatas providências para resguardar a integralidade da atuação’ do MP.

Segundos os ofícios, as ‘reapreciações’ estariam aplicando medidas generalizantes que se limitam a averiguar a inserção da pessoa presa em alguma das hipóteses mencionadas pela Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça. O texto em questão recomendou a Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo, entre elas a antecipação do direito de progredir ao regime semiaberto e aberto. As medidas, no entanto, devem ser avaliadas caso a caso.

“Com o propósito de evitar que essa prática implique a inadvertida precipitação na concessão de prisões domiciliares ou congêneres a casos graves, como alguns que já foram identificados em nosso Estado, solicitamos a adoção de providências por essa E. Presidência em prol da observância do devido processo legal neste âmbito de atuação, orientando-se que essas reapreciações, necessariamente, oportunizem uma prévia e individualizada manifestação da Instituição”, diz trecho do documento enviado ao TJ-PR.

Os textos são assinados pelo Procurador-Geral de Justiça Ivonei Sfoggia, o Corregedor-Geral do Ministério Público Moacir Gonçalves Nogueira Neto e procurador que coordena o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública Cláudio Rubino Zuan Esteves enviaram ao Presidente e ao Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

De acordo com relatório do Departamento Penitenciário do Estado, entre o dia 16 de março e o dia 02 de abril houve redução 2.397 presos no sistema carcerário do Paraná – 678 do regime semiaberto e 1719 do regime fechado.

A medida cautelar acolhida por Maria José da sexta, 3, foi impetrada contra decisões que beneficiaram 15 presos cujos processos de execução foram incluídos no Regime Especial de Atuação junto à Vara de Execuções Penais de Maringá. Tal regime ‘tem a única e exclusiva finalidade de adotar as medidas propostas pelo Conselho Nacional de Justiça na Recomendação 62’, indica a petição inicial.

Segundo os promotores, o MP se manifestou pela impossibilidade de aplicação das medidas recomendadas pelo CNJ aos apenados em questão, ‘levando em conta a gravidade dos crimes pelos quais foram condenados’.

O documento traz resumos da condenações dos presos, que incluem tráfico de dorgas duplamente majorado – entre Estados e com envolvimento de adolescente -, feminicídio, roubos majorados pelo emprego de arma e concurso de pessoas e homicídio qualificado. Um dos condenados foi identificado como integrante do PCC na peça.

No entanto, os promotores afirmam: “Não obstante extensa fundamentação em parecer ministerial, a magistrada concedeu a antecipação do regime fechado ao regime semiaberto e, na mesma decisão, concedeu harmonização ao regime semiaberto com monitoração eletrônica aos apenados. Trataram-se de decisões padronizadas, alterando-se tão somente a referência a datas em que, futuramente, poderiam os apenados progredir de regime”.

A Promotoria indica que interpôs agravos nos respectivos autos dos apenados, mas os recursos ainda não foram analisados, motivo pelo qual apresentaram a medida cautelar.

A peça argumenta que as decisões questionadas ‘tem o condão de gerar enorme prejuízo à segurança pública, bem como à saúde coletiva’.

“Ora, se CNJ recomenda que as prisões preventivas sejam decretadas quando se tratar crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, presentes os demais requisitos legais, antecipar progressão de regime de presos condenados por crimes dessa natureza é contrariar a própria Recomendação 62”, afirmam.

Os promotores alegam que a ausência de critérios, ‘desconsiderando-se, por exemplo, a natureza do crime, contraria a própria Recomendação do CNJ’. Segundo eles, tal ausência ‘permitiria, como pretende o presente Mutirão Carcerário, conceder benefícios a condenados por crimes de extrema gravidade, a exemplo de homicídios, latrocínio, organização criminosa, inclusive a crimes que a própria Constituição da República (tão banalizada atualmente como fundamentação) impõe uma severidade na persecução, como tráfico de drogas’.

A peça chega a citar decisão de desembargador que suspendeu 28 decisões de liberdade provisória proferidas pelo juízo criminal de Matinhos ao considerar que os despachos revogaram ‘ a segregação provisória de acusados por crimes graves e violentos, como estupro de vulnerável, ameaça no âmbito de violência doméstica, descumprimento de medida protetiva de urgência da Lei Maria da Penha e roubo’.

“Conceder prisão domiciliar, antecipar regime de pena, revogar prisões cautelares, dentre outras medidas recomendadas pelo Conselho Nacional de Justiça sob o argumento de que os presos iriam ‘se revoltar’ pelas medidas restritivas impostas é apoiar-se tão somente no combalido estado do sistema prisional, crendo ser possível solucionar a crise carcerária existente há décadas, em meio a uma crise sanitária sem precedentes, ensejando o risco, porém, de deflagrar uma concomitante crise de segurança pública”.

Ao analisar o caso, Maria José considerou que a juíza que proferiu as decisões questionadas atestou em alguns despachos que o prazo para o preenchimento do requisito objetivo para progressão de regime estaria muito próximo de ser integralizado.

No entanto, segundo a desembargadores, as decisões ‘não trazem fundamentação concreta, o que acaba gerando situações graves, colocando nas ruas pessoas perigosas, que cometeram crimes graves e violentos, antes da hora, subvertendo à ordem pública e causando insegurança jurídica, o que não pode ser admitido’.

Ela ponderou que cabe ao magistrado ‘velar pela integridade dos direitos fundamentais de todas as pessoas, conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana e fazer cumprir os pactos internacionais que protegem grupos vulneráveis expostos ao risco potencial de contrair doença infecciosa’, mas destacou que, em que pese a gravidade da atual pandemia que atinge diversos países do mundo, tal argumento, por si só, não é suficiente para ensejar na antecipação de progressão de regime prisional’ – “seja pelas medidas adotadas pelo sistema penitenciário para a prevenção do contágio, seja pelo fato de estarmos falando de crimes de extrema gravidade como homicídio qualificado, feminicídio, roubos majorados, organização criminosa, tráfico de drogas”.

A desembargadora deferiu liminar suspendendo 14 das 15 decisões questionadas. Segundo ela, a situação de um dos condenados é ‘diversa’, uma vez que progrediu de regime por outra questão. Assim, a situação de tal apenado seja discutida em sede de Agravo em Execução Penal já oferecido pelo Ministério Público.

Estadão