Disparam óbitos por “insuficiência respiratória” no Rio

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Fábio Motta / Agência O Globo

As mortes provocadas por problemas respiratórios no Rio já representam 35,93% dos óbitos por causas naturais do estado. Em 2019, esse percentual era de 26,12% entre os dias 16 de março e 28 de abril. As informações constam do portal da transparência dos cartórios de Registro Civil que, desenvolveu uma ferramenta para acompanhar a evolução da pandemia. A referência adotada para comparação 2019\2020 pela entidade toma como ponto de partida o dia 16 de março, quando os registros de óbitos pelo novo coronavírus começaram a acelerar no Brasil.

Alguns dados chamam a atenção de especialistas. As estatísticas mostram que os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) subiram de 9 para 225 (2.400%) enquanto de causas indeterminadas passou de 3 para 263 (8.666%), e podem na realidade esconder subnotificações do novo cornaovírus que não foram confirmadas por exames. O total oficial de casos de óbitos por Covid-19 nos cartórios chega a 1.431 registros.

— Nos casos que atendo de problemas respiratórios praticamente todos os exames dão positivo para Covid-19. O que está ocorrendo é que há muita subnotificação que por falta de exames acaba registrado como causas correlatas. Pneumonia, por exemplo, pode ter várias causas: provocadas por vírus (como o Covid), bacteriana, fungos ou de natureza química. A tendência de complicações pela gripe comum seria diminuir nesse período, até porque tem aumentado a cobertura vacinal para a gripe — diz o infetcologista Edimilson Migowisky, da UFRJ.

Edmilson acrescenta que as causas indeterminadas também podem esconder subnotificações de Covid-19. Isso porque na maioria das vezes que os pacientes morrem em casa os atestados são assinados como causa indeterminada. No protocolo atual de atendimentos, só os pacientes com casos mais graves de coronavírus são imediatamente internados. Muitos pacientes voltam para casa e morrem fora de unidades de saúde.

O fenômeno do aumento de casos de Síndrome Respiratória não é exclusiva do Rio, o que para especialistas, pode indicar que a subnotificação se repete em outros estados. Em São Paulo, no mesmo período (16 de março-28 de abril) foram registrados 42 casos de SRAG em 2019. Este ano, no mesmo período, o total de casos chegou a 396, um aumentomde 742,85% dos registros. Causas indeterminadas passadaram de 164 para 206.

Por sua vez, em Minas Gerais, o total de SRAGs passou de 18 para 102 no mesmo período (366,66%). No Amazonas, que enfrenta problemas sérios de falta de leitos e para enterrar vítimas da doença, as notificações de Sindrome Respiratória passaram de 4 para 183 no periodo pesquisado 2019\2020 (4.475%).

Em números absolutos, o total de mortes naturais no Estado do Rio passou para 15.142 para 15.416 desde 16 de março até esta terça-feira. No entanto, o número de óbitos pode aumentar, bem como os percentuais são sujeitos à revisão pois os cartórios têm até oito dias para enviar os dados para o portal. Edmilson Migowisky observa que além do coronovírus, outro fator pode ajudar a explicar a participação de casos respiratórios nos óbitos: com o confinamento, as estatísticas de outras causas para óbitos tende a cair, como traumatismos provocados por acidentes de trânsito e de trabalho.

Na capital, a participação por causas respiratórias nos óbitos por causas naturais é ainda maior que o estado. Em 2019, esse percentual era de 25,63% e passou para 35,9% em 2020. Na cidade do Rio de Janeiro, as mortes provocadas por síndromes respiratórias saltaram de 3 para 137 mortes. E de insuficiência respiratória de 403 para 525. Casos indeterminados de 0 para 80.

Especialista em Saúde Pública da UFRJ, Lígia Bahia acrescentou que as subnotificações em caso de pandemia geram distorções que deveriam ser evitadas. Ela avalia que, na dúvida, o recomendável deveria ser registrar o óbito como suspeito de coronavírus. E se for o caso, revisar o dado depois:

— Certamente existe subnotificação por Covid-19 nesses dados, justamente porque nem todos os casos registrados são de pessoas que foram testadas. O que está aparecendo nas estatísticas é apenas a ponta do iceberg de um problema maior que essa pandemia representa no Rio e no país. A disseminação do vírus é extremamente rápida — disse Lígia.

Outro detalhe que chama a atenção é que o total de notificações de Covid-19 dos cartórios é maior do que o número de vítimas do Covid confirmadas pelas secretarias de saúde dos Estados. No caso do Rio, os cartórios relatam 1431 casos enquanto que, até a segunda-feira (27), a Secretaria estadual de Saúde relatava 677 mortes e outras 276 ainda em investigação. O Ministério da Saúde sustenta que a diferença ocorre por conta do tempo que as secretarias de Saúde estaduais levam para notificar as autoridades federais.

Vice-presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), Luis Carlos Vendramin explica que a metodologia utilizada na elaboração da base de dados foi pensada em parceria com uma junta médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que desenvolveu uma espécie de dicionário para refinar os termos utilizados nas declarações de óbito.

— O primeiro painel de dados no portal poderia estar somando o óbito por duas causas. Neste novo sistema, deixamos apenas mortes naturais, facilitando a análise. Mas os dados podem ser ainda maiores, e são atualizados com o passar do tempo. A pessoa que morreu hoje pode ainda estar em fase da elaboração do laudo médico, que depois passará pelo cartório, e só aí a certidão será emitida e o dado será computado.

Na última semana, reportagem do GLOBO com base em dados do programa Infogripe, da Fiocruz, mostrou que o número de internados esse ano no Rio com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) já era 43% maior que o de hospitalizados pela doença em todo o ano de 2019. Desde o início de janeiro, foram 2.635 pacientes com SRAG, enquanto nos 12 meses do ano passado tinham sido 1.835.

O Globo