Donos de igrejas moram “de graça” em imóveis de luxo do governo

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Foto: Reprodução

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, popularmente conhecida como mórmon, paga uma taxa anual de R$ 805 à União para usar um apartamento de 273 metros quadrados na Península, região com torres de alto padrão na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio. Um imóvel de metragem similar no mesmo local pode ser encontrado a partir de R$ 1,9 milhão ou alugado por, no mínimo, R$ 6 mil mensais.

Perto dali, no Jardim Oceânico, a Primeira Igreja Batista da Barra da Tijuca paga aos cofres públicos uma taxa de R$ 1,4 mil por ano pelo uso de um apartamento em uma das áreas mais valorizadas do Rio. Próxima à praia, com amplo comércio e acesso ao metrô, uma unidade ali custa pelo menos R$ 1,5 milhão ou R$ 9 mil mensais.

Em franca expansão de suas atividades, igrejas usam imóveis pertencentes à União para atuar no País. Um levantamento feito pelo Estado, a partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e registros de cartórios, revela que 663 salas comerciais, apartamentos, terrenos, galpões e residências em condomínios de luxo estão ocupados por organizações religiosas.

As entidades têm a posse da maior parte dessas propriedades federais. Pelas regras, os ocupantes pagam apenas uma taxa anual que incide sobre o valor registrado do terreno e pode ser de 0,6% ou 2%. Parte desses imóveis é usada como moradia de dirigentes das igrejas.

O patrimônio da União é formado por terrenos e imóveis residenciais e comerciais construídos em terras devolutas, indígenas, áreas à beira-mar, margens de rios e também obtidoscomo pagamento de dívidas.

O governo do presidente Jair Bolsonaro já autorizou a ocupação de três imóveis por igrejas evangélicas: uma sala comercial para a Igreja Universal do Reino de Deus e uma sede para a Assembleia de Deus Ministério Bethel, ambos em Vitória, no Espírito Santo, além de uma casa para a Igreja Apostólica Restauração do Povo de Deus, em Tramandaí, litoral do Rio Grande do Sul. Todas a partir de 2019.

Há também casos em que a União permitiu, ao longo dos anos, que imobiliárias fizessem condomínios e loteamentos em suas áreas. Os ocupantes são beneficiados por adquirirem a posse de casas por valores abaixo dos cobrados normalmente pelo mercado ou por morarem em apartamentos pagando apenas uma taxa irrisória.

Foi o caso de Tamboré 2, um condomínio de luxo em Barueri, na Grande São Paulo. Ali, o apóstolo Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, mora em uma casa de alto padrão, erguida em terreno da União. A Mundial paga R$ 5,8 mil por ano ao governo. Em 2012, a igreja comprou de um antigo ocupante o direito de usufruir da residência de 925 metros quadrados por R$ 1,3 milhão.

Em imobiliárias, casas no mesmo condomínio são anunciadas por valores entre R$ 6 milhões e R$ 35 milhões. O imóvel possui acabamento externo em mármore e jardim de palmeiras exóticas. O Estado entrou em contato e encaminhou questionamentos por escrito à Igreja Mundial do Poder de Deus, mas não obteve resposta.

A Igreja Universal do Reino de Deus também usufrui de imóveis da União localizados em condomínios de alto padrão na Grande São Paulo, como o Alphaville 3 e o Tamboré 1, onde moram empresários, artistas e atletas famosos.

Nos últimos meses, a organização do bispo Edir Macedo colocou à venda por R$ 790 mil o direito de uso de um lote de 532 metros quadrados na Alameda Itanhaém, no Alphaville 3, um dos mais tradicionais da área. Há sete anos, a Igreja Universal recebeu o terreno plano e com poucas árvores como doação, estimada em R$ 100 mil, embora o valor venal fosse de R$ 162 mil. O Estado apurou com corretores da região que o valor de mercado, na verdade, seria superior a R$ 1 milhão.

Já no Tamboré 1, a igreja de Edir Macedo anunciou um terreno arborizado de 1,8 mil metros quadrados, na esquina das avenidas São Paulo e Limeira na Fazenda, por R$ 919 mil. O direito de uso desse imóvel foi comprado em 1997 pela simbólica quantia de R$ 0,07, embora o valor venal fosse, à época, de R$ 45 mil. Os terrenos estão abaixo do preço porque, segundo a imobiliária responsável pela venda, a Universal paga à vista ou com parcelas altas.

À reportagem, a Universal disse que usa os imóveis citados para evangelização e como apoio ao trabalho da igreja.

Atualmente, as maiores detentoras de imóveis pertencentes à União são a Igreja Cristã Maranata, com 40 propriedades ao todo, e a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Recife, ligada à Igreja Católica, com 37 imóveis.

Com imóveis localizados em áreas valorizadas, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) registra uma redução de 13%, entre 2015 e 2018, na arrecadação de taxas pagas pelos ocupantes das casas, salas comerciais e terrenos federais. Nesse período, a secretaria viu os recursos arrecadados passarem de R$ 914 milhões para R$ 795 milhões.

A maior queda na arrecadação foi no recebimento do laudêmio. Os pagamentos da taxa que incide sobre a negociação de imóveis da União caíram 74%, passando de R$ 338 milhões para R$ 87 milhões.

Leis aprovadas e sancionadas em 2015 aceleraram a queda. As alíquotas de ocupação que podiam chegar a 5% foram fixadas em 2%. Além disso, foram concedidas isenções a órgãos públicos, carências e suspensões de cobrança judiciais.

Famílias com renda de até cinco salários mínimos que usem o imóvel para moradia têm isenção. A cobrança também não é feita de entidades beneficentes de assistência social e das que salvaguardam bens culturais registrados como patrimônio histórico e artístico nacional.

O Ministério da Economia afirmou que destina os imóveis da União com base na solicitação de pessoas físicas ou jurídicas interessadas, de forma gratuita ou onerosa, dependendo da função a ser dada – uso para administração pública, cunho social ou fins lucrativos. O ministério disse ainda que não discrimina pedidos de organizações religiosas e que, atualmente, a secretaria analisa o pleito pela isenção de taxas patrimoniais.

A inadimplência dos ocupantes de imóveis da União chega a quase R$ 1 bilhão no País, conforme dados do Ministério da Economia. Por enquanto, o governo concentra esforços para alienar imóveis vagos, mas também analisa algumas propostas de venda dos que estão ocupados, quando o morador manifesta interesse em arrematá-lo – ele tem preferência numa eventual licitação, mas precisa dar o maior lance, sob o risco de ter de ceder imóvel.

Estadão