É urgente barrar o vírus nas cidades sem vírus

Destaque, Reportagem

Foto: Ruy Baron/Valor

Foi nas academias militares que o general Adriano Pereira Júnior descobriu o significado de grotão, mas só em Curupá, distrito do município de Alto Parnaíba, na divisa entre Maranhão e Piauí, a palavra ganhou vida. Depois de um acesso por trilha, encontrou um povoado com 20 casas, de madeira ou taipa, onde as famílias vivem de subsistência, sem escola, posto de saúde ou mesmo veículos para transportar doentes.

Comandante Militar do Leste entre 2010 e 2012, foi como Secretário Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional (hoje Desenvolvimento Social), entre 2013 e 2016, que o general ampliou o radar sobre os grotões. Na reserva desde 2014 e longe de cargos públicos há quatro anos, Pereira Júnior continuou a visitá-los em suas expedições em veículos com tração a quatro rodas, rodando mais de 20 mil quilômetros por ano.

Foi com esta lente que o general se debruçou sobre as medidas governamentais, da União, Estados e municípios para concluir que o combate ao coronavírus no Brasil começou a ser feito para mitigar a doença nos municípios onde já há casos e esqueceu da prevenção nos naqueles que ainda não foram atingidos.

De seu apartamento, em Brasília, do qual não sai há três semanas, na estrita observância do confinamento, o general de 72 anos falou, por telefone, ao Valor: “São mais de 5 mil municípios sem casos e que assim têm que continuar porque a dificuldade de combater a doença nesses lugares, em que falta hospital, ou até mesmo, um posto de saúde é gigantesca”. A seguir, os principais pontos:

Valor: Como o senhor vê os riscos de o coronavírus chegar ao grotão?
Adriano Pereira Junior: Com preocupação. Ao contrário dos países europeus, o Brasil tem imensa extensão territorial e, com exceção de algumas áreas, as cidades ficam afastadas por distâncias superiores a cem quilômetros. Tenho estudado as medidas e não tenho visto ações que levem isso em consideração na montagem nas estratégias de combate para impedir seu avanço em áreas limpas. A China manteve a restrição do vírus restrita à província de Hubei, adotando medidas que restringiram a propagação da doença. O Brasil já tem casos de contaminação em todos os Estados. A epidemia já atingiu um patamar que não permite, a nível estadual, adotar medidas de contenção. O mesmo não acontece nos municípios. Há 5131 municípios que ainda não foram atingidos pela pandemia. São mais de 100 milhões de brasileiros que vivem em áreas sem a presença de coronavírus. No mapa das ocorrências, a maioria está concentrada nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, sendo que há uma imensa área com muito poucas ocorrências.

Valor: E o que precisaria ser feito para evitar que essas regiões fossem atingidas?

Pereira Jr: Tenho escutado muito que no Brasil já perdemos a oportunidade de adotar medidas de contenção e por isso temos que empregar as de mitigação. Que Brasil perdeu a oportunidade? Nosso país tem uma diversidade muito grande, é a soma de vários brasis. A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que a primeira fase deve ser marcada pela contenção, para evitar que o vírus entre e se espalhe na comunidade. O Brasil já está na fase seguinte, da mitigação, que é adotada quando o país já tem transmissão comunitária, mas há mais de cinco mil municípios em que não há casos da doença e estão esquecidos. O que é menos doloroso, fazer o isolamento de pessoas em suas residências ou isola-las no perímetro de seus municípios?

Valor