Europa: delatores acusam quem descumpre quarentena

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Foto: Jan Medina – 11.abr.20/Reuters

Passeios recreativos bem longe da área de residência, quatro idas diárias ao supermercado, aulas de ioga em grupo, jantar entre colegas de faculdade, caminhadas quilométricas com o pretexto de levar o cachorro para fazer xixi.

Essas e outras denúncias de comportamentos inadequados durante a quarentena dispararam por toda a Europa, onde vários países cumprem regras rígidas de distanciamento social.

O não cumprimento das orientações pode significar o pagamento de multas pesadas ou mesmo, em casos extremos, levar à prisão. Ainda assim, as denúncias seguem a pleno vapor.

Em muitos casos, os dedos-duros são os próprios vizinhos dos denunciados ou seus seguidores em redes sociais.

A abordagem tem sido distinta entre os países. No Reino Unido, onde as estratégias de confinamento estão em vigor desde 23 de março, a polícia tem tentado desencorajar a maior parte desses comportamentos.

O comissário da polícia britânica Anthony Stansfeld chegou a conceder uma entrevista à BBC em que pede à população para reportar às autoridades apenas em “circunstâncias extremas”.

O policial aconselha que, em vez de chamar as autoridades, os cidadãos manifestem educadamente seu descontentamento.

Na Itália, que já registrou mais de 22 mil mortes por Covid-19, há políticos que estimulam justamente o contrário.

Prefeita de Roma, a advogada Virgina Raggi, tem incentivado a população a denunciar comportamentos inadequados da vizinhança. Ela, que é filiada ao partido populista Movimento 5 Estrelas, lançou inclusive um portal para centralizar os relatos.

A oposição italiana acusa Raggi de relembrar os tempos do fascismo no país, incentivando “traições” de confiança entre os italianos.

Com mais de 188 mil casos de infecção pelo novo coronavírus, a Espanha também viu as denúncias de descumprimento do isolamento social dispararem. No caso espanhol, tem ganhado destaque a proliferação de ataques nas redes sociais.

Um usuário do Twitter viralizou com a imagem de um aviso em que um vizinho “denuncia” publicamente moradores de seu prédio que “nunca saem para as varandas na hora de aplaudir os médicos”. Movimentos que incentivam o agradecimento aos profissionais de saúde, com gritos e aplausos nas janelas, tornaram-se frequentes na Europa.

“Como se não bastasse, também saem todos os dias com o cachorro de quatro a cinco vezes e às vezes levam mais de 20 minutos para voltar, percorrendo Oviedo inteiro”, diz o cartaz, que propõe que todos do prédio “chamem a polícia” sempre que se depararem com os vizinhos fura-quarentena.

Também têm sido frequentes os posts que exaltam comportamentos de violência policial contra pessoas que foram flagradas descumprindo as regras de circulação.

Em Portugal, a Polícia de Segurança Pública (PSP) confirma que houve um aumento do número de denúncias por parte dos cidadãos, embora diga não haver um número oficial.

A PSP, porém, exaltou o comprometimento dos portugueses com as regras do estado de emergência, em vigor desde 18 de março.

“No atual contexto, poderemos confirmar que as denúncias fundadas que a PSP recebeu foram em reduzido número, porventura decorrente de a população portuguesa ter revelado, no geral, um muito elevado grau de cumprimento”, afirmou a instituição, em nota.

Portugal determinou o fechamento de escolas, universidades, restaurantes e lojas, mas impôs medidas menos restritivas do que vários outros países. Mesmo assim, tem conseguido um dos resultados mais expressivos de combate ao novo coronavírus na Europa, com uma das mortalidades mais baixas do continente: cerca de 3%.

Mesmo assim, há relatos de quem tenha sentido na pele o “policiamento ostensivo” da vizinhança.

A estudante brasileira Julia Gomes, 23, diz que foi abordada duas vezes por uma moradora de seu prédio, na região de Cascais, incomodada com suas saídas diárias para correr nas imediações do edifício.

“Ela tocou a campainha e veio aqui reclamar, mas eu não fiz nada de errado. Saí sozinha e fiquei distante das outras pessoas. Acho que passou um pouco dos limites”, diz.

Folha