Já havia fome nas favelas antes da pandemia

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Foto: Márcia Foletto

Nas favelas e nas periferias, a fome chegou antes do coronavírus. A paralisação da economia tirou a renda de milhões de famílias que já sobreviviam com pouco. O tranco necessário para conter a doença foi agravado pela inércia do governo. A renda básica emergencial só começou a ser paga na quinta-feira, passados 43 dias do primeiro registro da Covid-19.

Diante da omissão federal, cresceu o papel das iniciativas solidárias. Demonizadas pelo bolsonarismo, as ONGs se mexeram antes do poder público. Só a Ação da Cidadania já distribuiu mais de 350 toneladas de alimentos em dez estados e no DF. A entidade fundada por Herbert de Souza segue a lição do sociólogo: “Quem tem fome tem pressa”.

“Nunca vivemos uma situação tão grave”, diz Daniel de Souza, filho de Betinho e presidente do conselho da ONG. “Nosso WhatsApp não para de receber apelos de pessoas que não conseguem levar comida para casa. Lançamos a campanha em março e não sabemos quando ela vai acabar”, conta.

A pandemia impôs novos desafios ao trabalho. Desde que foi criada, em 1993, a Ação da Cidadania recebia sacos de alimentos em postos de coleta. Com as medidas de isolamento, a entidade passou a depender de colaborações em dinheiro. Até aqui, conseguiu arrecadar cerca de R$ 4 milhões. Precisará de mais R$ 19 milhões para cumprir a meta inicial de abastecer cem mil famílias durante três meses.

A procura por comida disparou após a segunda semana de quarentena, quando o Congresso aprovou a renda básica de R$ 600. O governo ainda levou mais dez dias para começar a pagar o benefício.

“A demora a agir também mata”, critica o diretor executivo da Ação da Cidadania, Kiko Afonso. “Milhões de pessoas não tinham crédito, não tinham poupança e deixaram de ter salário. Do dia para a noite, muita gente que nunca dependeu do governo passou a precisar de ajuda”, acrescenta.

Em campanha para reabrir o comércio, Jair Bolsonaro passou a se dizer preocupado com o aumento da pobreza. É uma novidade no discurso do presidente. Ele sempre atacou os programas de transferência de renda e, em julho passado, declarou que não havia fome no Brasil. Em sua gestão, a fila do Bolsa Família chegou a acumular 3,5 milhões de pessoas.

“A sociedade civil pode ajudar, mas não tem como substituir o governo”, ressalta o diretor da Ação da Cidadania. “Se o poder público não atuar de forma mais agressiva, vamos viver uma situação de caos social no país”.

No fim de 2017, dirigentes da ONG de Betinho foram a Brasília para uma audiência com Osmar Terra, então ministro do Desenvolvimento Social. O emedebista estava irritado. Em tom ríspido, acusou a entidade de relançar a campanha Natal Sem Fome para desgastar o governo Temer.

Terra passou uma temporada na gestão Bolsonaro e agora faz o diabo para voltar como ministro da Saúde. Nos últimos dias, ele virou papagaio do presidente: faz propaganda de remédio milagroso e ataca as medidas de isolamento. Em troca do cargo, parece disposto a rasgar o diploma de Medicina.

O Globo