Menos de 1/4 dos municípios têm leitos de UTI pelo SUS

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Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Moradores de 2.608 municípios brasileiros terão de deixar o lugar onde moram se tiverem de ser internados para tratamento da Covid-19 na rede pública de saúde. Isso acontece porque apenas 53,1% dos 5.571 municípios brasileiros abrigam hospitais com leitos de internação pelo SUS — em geral, são cidades maiores, eleitas como regionais de saúde para atender a demanda de todos os pacientes do sistema público.

Se sofrerem os sintomas mais graves da doença e precisarem ficar em Unidades de Terapia Intensiva, menos de um quarto dos municípios — 1.295, ou 23,2% do total — possuem leitos de UTI que atendem pelo SUS.

Os dados são do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que teme a superlotação dos hospitais das grandes cidades e a falta de leitos para moradores de municípios menores que venham a contrair o coronavírus e precisar de internação.

A jovem Rayssa Araújo, de 20 anos, que cursa Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, contraiu a Covid-19, mas teve a sorte de ter tido apenas sintomas leves e não precisar ser internada. Com a suspensão das aulas devido ao coronavírus, Rayssa viajou de Natal para a casa da família, no município de Luís Gomes, a 450 km da capital potiguar, onde chegou no último dia 20, uma sexta-feira. Seguiu a recomendação de isolamento dada a todos os viajantes e não saiu de casa.

Dois dias depois, passou a sentir cansaço, dor de cabeça e teve febre. Entrou em contato com o serviço de saúde do município, foi orientada a permanecer em casa e encaminhada para fazer o teste de coronavírus em Pau dos Ferros, a 50 km de distância, único hospital da região que tem leitos disponíveis para pacientes do SUS. No último domingo, já sem sintomas, Rayssa recebeu o resultado do exame, positivo para coronavírus.

— Felizmente não tive nenhuma complicação ou sintomas graves — diz a estudante.

Segundo a prefeita Mariana Fernandes, Luís Gomes e outros 36 municípios da região do Alto Oeste do Piauí dependem de um único hospital que possui leitos para internação de pacientes do SUS, localizado em Pau dos Ferros.

— O hospital não tem estrutura para atender a população de toda essa região. São apenas cinco leitos de UTI. A preocupação dos governos é com as cidades maiores, mas os municípios pequenos não estão isolados e intocáveis. Por sorte, nossa paciente teve sintomas muito leves e se manteve isolada — diz a prefeita.

Mauro Junqueira, secretário executivo do Conasems, explica que o SUS concentra o atendimento nas grandes cidades por considerar que não se justifica a pulverização de hospitais, uma vez que cerca de 80% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes.

O modelo, porém, obriga que boa parte da população tenha de se deslocar em busca de atendimento quando é vítima de doenças consideradas de média e alta complexidade. É comum que as prefeituras desses pequenos municípios ofereçam ambulâncias e vans, que cruzam as estradas brasileiras para levar pacientes para atendimento médico. O modelo é replicado em todo o país — mesmo em São Paulo, o estado mais rico do país.

Com a expectativa de aumento de casos de Covid-19 em abril e maio, os municípios temem a superlotação desses hospitais e a falta de vagas para quem precisa ser deslocado do lugar onde mora para atendimento. Em tempos normais, é possível conseguir uma vaga nos hospitais regionais, como costumam ser chamados os que atendem casos de alta complexidade, em até duas horas, mas não é raro que demore 36 horas ou mais, dependendo da distância e da dificuldade de trajeto.

Indaial, no interior de Santa Catarina, tem cerca de 70 mil habitantes, mas não há leitos para internação pelo SUS. O município teve um caso confirmado de Covid-19. A paciente, uma mulher de 63 anos, com histórico de hipertensão e diabetes, foi levada para tratamento o município vizinho de Blumenau, onde está internada em estado crítico, num hospital privado.

A Prefeitura de Indaial corre para adaptar sua estrutura e, assim, manter futuros pacientes internados no local.

— Estamos criando dez leitos de suporte intensivo com respiradores para atender os pacientes que virão, até que consigam vagas de internação em cidades maiores próximas — afirma o secretário de saúde de Indaial, Alexandre Manoel Dalabrida.

— Esse modelo é um erro crasso, é preciso rediscutir e fazer uma reflexão. Não estamos preparados para uma pandemia dessa gravidade, com altas taxas de transmissão — afirma Januário Cunha Neto, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Amazonas, estado que enfrenta uma das maiores dificuldades logísticas para implementar o modelo do SUS, já que muitos municípios dependem do transporte fluvial.

O Amazonas registra duas mortes por Covid-19. O empresário Geraldo Sávio da Silva, de 49 anos, morador de Parintins, teve de ser levado pelo serviço de UTI aérea do governo do estado para Manaus, onde morreu, vítima do coronavírus, no último dia 24, no hospital Delphina Aziz.

O Amazonas tem apenas nove cidades com hospitais da rede pública, que dispõe de leitos para internação e atendimento de média e alta complexidade, requisitos necessários para tratamento da Covid.

A infectologista Laura Crivellari, que atua na organização do sistema para atendimento a pacientes de Covid-19 em Tefé, a 500 km de barco de Manaus, afirma que embora o hospital seja o único que dispõe de leitos de internação pelo SUS, tem apenas três respiradores.

— A gente consegue apenas estabilizar o paciente. Se for um pouco mais crítica a situação, temos de acionar a UTI aérea para levar a Manaus. É desafiador — diz Laura.

A estimativa é que cerca de 20% dos que contraem o coronavírus e apresentam sintomas da Covid-19, a doença provocada pelo vírus, desenvolvam quadros mais graves.

O Brasil tem hoje 4.460 hospitais com leitos de internação pelo SUS. O receio da superlotação levou o Conasems a negociar alternativas com o Ministério da Saúde. Uma delas é levar para os chamados hospitais de pequeno porte -municipais ou santas casas – pacientes que estão hoje nos grandes hospitais e precisam de cuidados prolongados, como pacientes crônicos oriundos de UTIs ou que tenham sofrido traumas, por exemplo.

Os hospitais de pequeno porte estão em 1.407 municípios e costumam ter, no máximo, 50 leitos. Segundo a entidade, estão sendo equipados leitos para que eles possam receber pacientes que necessitam de cuidados prolongados ou que ocupam leitos de enfermaria de hospitais de referência para a Covid-19. A autorização do Ministério da Saúde foi dada por meio de portaria, no último dia 26.

— A ideia foi liberar vagas nesses hospitais de referência para pacientes da Covid-19. Os hospitais de pequeno porte, em geral, têm leitos ociosos e podem abrigar parte dos pacientes que hoje estão nas instituições de referência — afirmou Junqueira.

Até mesmo a prefeita de Pindorama, a 400 quilômetros da capital paulista, teve de buscar atendimento na cidade vizinha. Maria Inês Miyada (PSDB) foi diagnosticada com Covid-19 depois de ter participado de uma reunião na capital paulista, em meados de março.

Com 17 mil habitantes, Pindorama possui apenas um pronto atendimento público com sala de urgência e nenhum leito de internação. Casos graves de Covid-19 entre moradores de Pindorama deverão ser encaminhados para a cidade vizinha, Catanduva. Os hospitais Padre Albino e Emilio Carlos, para os quais os pacientes poderão ser encaminhados, atuam como ponto de referência para toda a região e, juntos, têm 25 leitos de UTI.

— Caso seja necessário, conseguimos estabilizar um paciente aqui até que o SAMU venha buscar e levar até Catanduva. Lá, dois hospitais grandes tem leitos e áreas para atendimento da doença — conta a secretária de Saúde de Pindorama, Olga Bicudo.

Todos os cerca de doze funcionários da prefeitura foram colocados de quarentena após a confirmação da doença – inclusive a secretária de saúde. A prefeita de Pindorama está internada em Catanduva, mas optou por um hospital privado e segue em estado estável.

O Globo