Moro já tinha decidido sair antes da crise

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Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

 

Com seis minutos de atraso, abatido e cabisbaixo, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro entrou pelo acesso direito do Auditório Tancredo Neves do Palácio da Justiça para encerrar 478 dias de sua participação no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contados a partir do ato de sua nomeação, em 2 de janeiro de 2019.

A cena contrasta com a euforia do dia 1º de novembro de 2018, quando o então juiz da Lava Jato desembarcou no condomínio de Bolsonaro na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, para largar 22 anos de magistratura —cinco deles à frente da maior investigação de corrupção do país— e aceitar emprestar seu nome e sua imagem ao governo recém-eleito.

A declaração de despedida, na última sexta-feira (24), durou 37 minutos e 55 segundos e foi seguida por uma salva de palmas de 44 segundos —mas não foi construída na véspera.

A decisão de sair do governo caso o presidente insistisse em interferir na Polícia Federal já estava tomada por Moro desde o fim de semana.

O ex-ministro da Justiça já havia avisado assessores e subordinados próximos, entre eles o próprio Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF, que a interferência no órgão era uma linha intransponível e não aceitaria que o presidente a cruzasse.

No entanto, Moro já esperava que isso fosse acontecer.

Nas últimas semanas, em reação ao apoio do ex-juiz às medidas de isolamento social defendidas pelo então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, Bolsonaro havia voltado a cobrar insistentemente a saída de Valeixo.

A cobrança se tornou assunto monotemático do presidente nas reuniões semanais entre ele e Moro às quintas-feiras no Palácio do Planalto.

O último encontro ocorreu às 9h de quinta (23), no gabinete da Presidência da República. Bolsonaro comunicou que trocaria Valeixo até o final da semana e avisou que definiria o substituto.

Moro tentou indicar o nome do delegado Disney Rosseti, da Diretoria Executiva, cadeira número 2 na hierarquia da corporação. Bolsonaro rejeitou. A conversa durou menos de dez minutos e, ao final, Moro pediu demissão.

No caminho do Planalto para o Palácio da Justiça, onde comunicou aos auxiliares que estava fora do governo, o ministro avisou a esposa, a advogada Rosangela Moro, da decisão. Ela ficou em Curitiba na semana passada. De longe, tentou monitorar, dar forças e consolar o marido nas últimas horas no cargo.

Em texto publicado nas redes sociais da advogada —enviado pessoalmente ao ex-ministro por WhatsAp—, Rosângela recorreu ao poema “Ausências”, de Vinícius de Moraes, para confortar Moro.

Os versos falam sobre o fim de um relacionamento. “Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces. Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto”, começa o poema.

Em outro trecho, Moraes diz: “Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados. Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada”.

O poema foi apagado das redes sociais de Rosângela logo após Moro fazer o pronunciamento em que anunciou os motivos da demissão. E foi justamente ao falar da família que o ministro embargou a voz uma única vez na saída do governo.

A última semana de Moro à frente do Ministério da Justiça foi marcada pelo autoisolamento.

O ex-ministro veio sozinho para Brasília. Nos últimos dias, andou mais calado e fechado do que de costume desde que entrou no governo.

Para alguns aliados, o comportamento dele nesses dias lembrou o do ex-juiz da Operação Lava Jato.
Um dos assessores que era da equipe da PF na época afirmou à Folha que Moro estava tão tenso quanto no dia da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março de 2016.

Na terça-feira (21), já em Brasília, Moro foi informado de que Bolsonaro iria colocá-lo contra a parede sobre a mudança na PF. Ele voltou a avisar a equipe que, ocorrendo isso, estaria fora.

Nos dias seguintes, o ministro recorreu a aliados, amigos e assessores para avaliar os prós e contras de um pedido de demissão e os impactos a sua imagem.

Moro tinha a preocupação de não passar a mensagem errada e a impressão de que estava abandonando o barco em meio à pandemia do novo coronavírus.

O ex-ministro queria ainda passar um recado sobre o seu futuro, deixando em aberto que poderia voltar a trabalhar pelo Brasil. Moro é, a todo momento, lembrado como um possível presidenciável em 2022, apesar de sempre negar a intenção de ser candidato.

Antes mesmo de formalizar a saída, na quinta-feira, o ex-ministro foi sondado por governadores e também pela iniciativa privada. Moro disse a interlocutores que, por ora, só queria voltar para casa em Curitiba e descansar ouvindo Fagner, seu cantor favorito.

Na véspera da demissão, o ex-ministro orientou assessores próximos que copiassem arquivos pessoais em seus computadores e em seus celulares funcionais. E deixou o prédio por volta das 19h após receber ministros militares do governo que tentaram dissuadi-lo da decisão.

Moro passou a noite de quinta-feira sozinho em casa acompanhando o noticiário e trocando impressões com assessores por telefone.

Ele também recebeu uma ligação de Maurício Valeixo confirmando que a sua exoneração sairia no dia seguinte.

A decisão de Bolsonaro pôs fim a uma relação marcada por altos e baixos.

O primeiro encontro entre os dois ocorreu em 2017 e, na verdade, foi um desencontro. Em março daquele ano, o então juiz ignorou Bolsonaro no aeroporto de Brasília.

O presidente, então deputado federal, bateu continência e tentou cumprimentá-lo. Moro acenou com a cabeça, falou “tudo bem” e virou as costas.

Em 2018, após a ida do juiz ao Rio de Janeiro, Bolsonaro por mais de uma vez declarou que o futuro ministro teria “total liberdade” para escolher o primeiro, o segundo e o terceiro escalões da pasta.

A promessa durou pouco. Em fevereiro de 2019 veio o primeiro veto de Bolsonaro ao ex-ministro.

Moro foi obrigado a revogar a nomeação da especialista em segurança pública Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária após repercussão negativa entre bolsonaristas.
Alguns meses depois, em agosto, sem o conhecimento da cúpula da PF, Bolsonaro anunciou a troca do superintendente do órgão no Rio de Janeiro e houve reação na cúpula da corporação.

Diante da resposta negativa, o presidente recuou momentaneamente, mas começou a pedir a cabeça de Valeixo.

Bolsonaro também transferiu o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). O órgão produziu relatório que levou a investigações sobre a “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), senador e filho do presidente, quando era deputado estadual no Rio.

Em janeiro deste ano, o presidente tentou novamente tirar o diretor-geral da PF e diminuir o poder de Moro.

Bolsonaro afirmou que pensava em dividir as atribuições do Ministério da Justiça, recriando a pasta da Segurança Pública. Porém, recuou após repercussão negativa.

O último capítulo da aliança aconteceu na sexta-feira.

Após ser chamado de mentiroso por Bolsonaro, Moro divulgou troca de mensagens entre os dois na qual mostra a tentativa do presidente de interferir na PF.​

Folha