No Rio, prisão para quem descumprir isolamento

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Foto: Roberto Moreyra

Em tempos de diversas restrições impostas pelo poder público para conter a pandemia do coronavírus, quem descumprir as regras impostas pode responder criminalmente por isso. Especialistas, no entanto, alertam que a confusão criada com diferentes normas que vêm surgindo pode causar dúvidas sobre aquilo que é ou não permitido, podendo impedir a punição nesses casos.

O Código Penal prevê que é crime, previsto no artigo 268, “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. As determinações às quais a lei se refere podem ser federais, municipais ou estaduais.

Para o delegado da Polícia Civil do Rio e professor de Direito Penal Bruno Gilaberte, pode ser penalizado por esse delito quem, por exemplo, descumprir a proibição do governo do Estado do Rio de promover aglomeração ou frequentar determinados locais, como praias. Entretanto, Gilaberte faz o alerta sobre a quantidade de normas com medidas de combate à doenla que vêm sendo editadas.

– Pode ocorrer uma sucessão de decretos e leis que até impeçam de a pessoa de conhecer as normas e ela acaba se equivocando. A pessoa pode achar que a conduta é permitida quando, na verdade, não é – explica.

O advogado criminalista e professor de Direito Penal Taiguara Líbano Soares cita ainda outro exemplo de atitude que pode se enquadrar no crime denominado “infração de medida sanitária preventiva”, que é o descumprimento do isolamento por alguém que testou positivo para a Covid-19. Segundo o professor, essa conduta contraria a Lei 13.979/20, que estabelece medidas de combate ao coronavírus.

– Se essa pessoa que testou positivo recebeu uma orientação médica da necessidade do isolamento, está colocando em risco a saúde de outras pessoas furando esse isolamento, e poderá responder por isso – detalha.

Nas situações de proibição de frequentar determinados locais, como praias, Taiguara pondera que o ideal, num primeiro momento, é que as autoridades (policial ou guarda municipal) tentem alertar a população sobre o descumprimento da norma, para só posteriormente haver condução para uma delegacia de polícia.

– É importante que o poder público tenha razoabilidade para evitar que, num contexto marcado por anormalidades como o que estamos vivendo, haja um grande punitivismo. O Direito Penal existe para situações extremas – pontua.

O crime de Infração de medida sanitária preventiva tem pena de um mês a um ano. Na prática, a pessoa levada para a delegacia não ficará presa, caso concorde em comparecer ao Juizado Especial Criminal, onde responderá ao processo. A pena do crime aumenta um terço se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Os especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam ainda que se alguém, sabendo estar contaminado, age de forma proposital com o intuito de contaminar outro indivíduo, também pode responder pelo crime previsto no artigo 131 do Código Penal, denominado “Perigo de contágio de moléstia grave”. Para esse delito, a punição varia entre um e quatro anos.

Segundo Bruno Gilaberte, se a pessoa acaba de fato contaminada, quem agiu com o intuito de infectá-la pode responder por lesão corporal grave, crime previsto no artigo 129, parágrafo 1º do Código Penal. Nesse caso, se a pessoa acabar morrendo por causa da doença, quem transmitiu o vírus de maneira proposital pode até ser indiciado por lesão corporal seguida de morte. Caso o indivíduo que está contaminado saiba que tem o vírus e acabe infectando outra pessoa, ainda que sem intenção, pode responder por lesão corporal culposa.

– Nesse caso, a pessoa sabe que está doente, mas acha que conseguirá impedir que outras pessoas sejam infectadas – explica Gilaberte.

O crime de epidemia, previsto no artigo 267 do Código Penal, tem aplicação mais improvável, segundo apontam os professores ouvidos pelo GLOBO. A norma prevê punição para quem “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”.

Para Gilaberte, só seria possível punir alguém que dê início à epidemia, o que seria impossível hoje, uma vez que o novo coronavírus já está espalhado pelo mundo. Já Taiguara aponta que há diferentes interpretações para a norma, sendo possível o entendimento, por exemplo, de que a punição possa ocorrer caso a pessoa dê início à epidemia em uma cidade específica.

– Há muito debate em torno desse crime. Sua caracterização é um pouco mais difícil – pontua o advogado criminalista.

O Globo