Pela primeira vez surge reação de fato a Bolsonaro

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Foto: Futura Press/Folhapress

O país se acostumou com o show. Jair Bolsonaro faz uma estultice chocante, há uma reação generalizada e eventualmente ele reduz a temperatura, vida que segue com mais um distúrbio anotado na tessitura institucional.

O presidente o faz por desígnio objetivo, como abafar alguma notícia incômoda, ou por real intenção disruptiva. A segunda hipótese aplica-se ao bárbaro apoio aos “brasileiros de bem” que pediam uma intervenção militar na frente do QG do Exército, no domingo.

O recuo do dia seguinte se deu como o previsto no roteiro, mas a normalização de ideias exóticas e golpistas vai se espraiando.

Além disso, a ala militar palaciana deixou claro seu apoio ao chefe no embate com outros Poderes, ainda que as Forças Armadas tenham sido contrangidas —os choques secundários na ativa ainda estão em curso.

A diferença desse para outros episódios é a reação. Ela veio na forma da abertura de inquérito, no Supremo Tribunal Federal, sobre a organização do ato inconstitucional. Incitação a crime não se confunde com liberdade de expressão, ao menos ainda.

Se o nome de Bolsonaro não está citado, é óbvio que a gravidade a ser determinada da manifestação poderá se tornar um instrumento jurídico e político contra o presidente. Para animar mais os teóricos da conspiração do bolsonarismo, Alexandre de Moraes foi sorteado para cuidar do caso.

Na visão da turma, o ex-secretário de Segurança paulista é, além de identificado com o tucanato, o primeiro entre os togados a tramar contra o presidente —cortesia da liminar que concedeu em favor de estados e municípios, dando a eles soberania sobre medidas de combate ao coronavírus.

O fato de que a decisão provisória tornou-se permanente com a anuência de todos os colegas de Moraes importa pouco, quando não aumenta o volume dos gritos por “um cabo e um soldado” a fechar a corte. O ministro acaba de ganhar um lugar de destaque no panteão das efígies de vudu dos bolsonaristas, ao lado do imbatível Rodrigo Maia.

Um detalhe do episódio que intriga políticos em Brasília é o papel do procurador-geral da República, Augusto Aras. Afinal de contas, até aqui ele vinha sendo visto como um escudeiro fiel de Bolsonaro no Ministério Público.

Agora, disparou uma sucessão de eventos imprevisíveis com seu pedido de apuração do ato. Ainda que não traga inicialmente o nome do mandatário máximo, o procedimento acabar se esvaindo ou acabar por ferir de morte uma Presidência combalida mais à frente.

Com a ironia de usar um dispositivo, a Lei de Segurança Nacional de 1983, sempre evocado pela esquerda como um entulho da ditadura no sistema legal.

O inquérito engrossa o caldo de caracterização de crime de responsabilidade que engolfa Bolsonaro —já há mandado de segurança a ser analisado no próprio Supremo e a exigência da Câmara em que ele apresente seus exames de coronavírus.

O resto do cenário de terra arrasada está colocado, sem alterações, com os Poderes e os entes federativos em articulação contra a Covid-19 apesar de Bolsonaro.

Mas as sempre explosivas investigações acerca de Flávio Bolsonaro e o mundo da milícia no Rio acabam de ganhar uma companhia, que mira diretamente o presidente e chefe do clã. Em situações normais, a tendência seria ver formalismo inócuo na apuração. Ocorre que não estamos em tempos assim.

Folha