Sem querer, PGR complicou Bolsonaro

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Foto: José Cruz/Agência Brasil

1. O procurador-geral da República, Augusto Aras, vai ter de fazer contorcionismos jurídicos para tentar (atenção: tentar) excluir a responsabilidade criminal do presidente Bolsonaro. Isso em razão da participação de Bolsonaro em apoio à manifestação de domingo passado, na frente do Quartel-General do Exército.

Convocações preliminares pelas redes sociais revelam que haveria concentração em favor de uma ditadura militar. Ditadura tendo à frente o capitão reformado Bolsonaro e alicerçada em ato institucional igual ao AI-5, de 1968, de triste memória.

A manifestação tinha objetivo determinado e não genérico. E nada a ver com a pandemia do coronavírus. Era em prol de um golpe, rasgada a Constituição e colocado fim no estado democrático de direito.

Embora o procurador Aras não tenha, para fim de indiciamento, mencionado o nome de Bolsonaro no inquérito apuratório que requisitou e cuja a instauração restou determinada por despacho do ministro-relator Alexandre de Moraes do STF, a participação criminosa do presidente já se mostra cristalina. Mas e por enquanto, Aras mencionou nomes de deputados federais e pessoas promotoras – fautoras – do ato público ocorrido. O inquérito, apesar do interesse público, tramitará em segredo de Justiça.

Basta ler o Código Penal para se concluir pelo enquadramento de Bolsonaro:

-Título IV- Do Concurso de Pessoas-
-artigo 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade.

Em evidente apoio ao ato, o presidente Bolsonaro compareceu e discursou como caudilho de república bananeira. Lógico, Bolsonaro concorreu, foi coparticipante dos crimes elencados pelo procurador Aras, na sua peça de requisição de instauração de inquérito policial, junto ao Supremo Tribunal Federal.

Bolsonaro, por um Aras que não podia prevaricar, foi colocado, por enquanto, numa camisa de sete varas. Aquela com metragem (vara) usada por condenados à forca, em época medieval. Bolsonaro não está com o pé na forca, mas, certamente, estará enredado no inquérito.

O presidente, de qualquer modo, – e como diz a lei penal material, participou ativamente de uma organizada manifestação golpista, consumada em área de segurança nacional, ou seja, na frente do Quartel-General Exército.

Vale frisar, por parte do comando do quartel, que nada foi feito para impedir o ato, naquele local manifestamente impróprio e em dia particular, ou seja, o Dia do Exército Nacional.

2. Não deve o procurador Aras esquecer, também, ser ilícito contra a paz pública, a tranquilidade social, a incitação pública à prática de crime.

No particular, reza o Código Penal: artigo 286- “incitar, publicamente, a prática de crime”.

Desde o primeiro dicionário da língua portuguesa, o dicionário Moraes, o termo incitar tem o significado de estimular, excitar.

Bolsonaro, com o comparecimento e manifestação, que não foi de repúdio, mas teve o condão de aguçar, acalorar, cometeu o crime de incitação a crimes, e basta ter olhos de ver e isenção de análise. E o próprio procurador Aras anunciou a existência de crimes contra a Segurança Nacional.

3. Fora isso, sabia o presidente Bolsonaro estar o País atingido pela pandemia da covid-19. Mesmo assim, e contrariando determinações do Ministério da Saúde, da Organização Mundial da Saúde e de ato do governo do Distrito Federal, participou de aglomeração proibida, com pessoas sem máscaras protetivas e sem guardar a distância necessária à prevenção ao contágio.

Volto ao Código Penal e ao capítulo dos crimes contra a saúde pública. Como infração de medida sanitária preventiva, está escrito no artigo 268: “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

Num pano rápido, o presidente Bolsonaro, além do enquadramento na lei penal comum e especial, cometeu crime de responsabilidade ao atentar contra a Constituição e o estado democrático de direito, fato que poderá, apesar da retratação e tentativa de se dizer democrata e cumpridor da nossa Lei Maior, ensejar o seu julgamento político, em impeachment.

Estadão