Setores de esquerda e direita convergem para o centro

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Foto: AFP / NELSON ALMEIDA

Passados dois anos da disputa eleitoral de 2018, que marcou uma divisão sem precedentes entre ideais conservadores e liberais, o cenário político segue diante de uma polarização que coloca a população brasileira frente a um grande desafio, em um momento em que a união entre os diferentes agentes públicos seria crucial para amenizar os efeitos da maior pandemia mundial dos últimos anos. De acordo com especialistas, com o Brasil dividido, tendo esquerda e direita dominando os holofotes, a atuação de figuras mais moderadas pode surgir como opção para levar o país a um quadro de menos radicalização.

Por mais que o presidente Jair Bolsonaro tente minimizar ou desmoralizar a atuação daquilo que ele taxa como establishment, é justamente das instituições democráticas que têm partido as principais atitudes de pacificação em meio ao cenário de incertezas e medo causado pelo novo coronavírus. Lideranças que não pendem para nenhuma das correntes ideológicas, como os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mostraram que o centro pode servir como uma bússola em um período tão conflitivo, como explica o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.

“Historicamente, o centro sempre foi uma espécie de apaziguador. Após a ditadura, foi o centro o espectro capaz de acalmar os ânimos de um lado e de outro e, caso tenha um personagem importante, pode ser capaz de construir um caminho de esperança. Então, teoricamente, o centro tende a ser positivo nesse momento”, analisa.

Segundo Ribeiro, Maia e Alcolumbre têm se mostrado lideranças capazes de construir uma ponte em direção à moderação e ao bom senso por estarem se portando diante do cenário de pandemia não como representantes partidários de um campo político, mas como chefes de Poder. Eles se colocam, assim, como pessoas responsáveis pelo sucesso ou pelo insucesso das ações governamentais em relação à Covid-19. “Isso tem sido importante em alguns pontos para evitar que propostas muito radicais sejam aprovadas e, também, por outro lado, que bons projetos, independentemente de quem os proponha, possam ser aceitos”, observa o cientista político.

Maia, especialmente, tem o diferencial de estar há mais tempo em uma posição de liderança no Congresso do que Alcolumbre e ser uma figura com melhor capacidade de dialogar com as diferentes vertentes na sede do Poder Legislativo. Na última semana, ganhou ainda mais respaldo dos colegas parlamentares após os ataques gratuitos que recebeu de Bolsonaro, que classificou como “péssima” a atuação do deputado na presidência da Câmara. Muitos deputados e senadores declararam que seguirão a liderança de Maia durante a crise.

“Nós pensamos que o presidente Bolsonaro deveria falar menos e trabalhar mais, como faz o parlamento. A condução dos trabalhos por Maia, a forma como vem fazendo, é uma demonstração de que está preparado para apoiar o povo brasileiro nessa situação de pandemia. É justamente isto que estamos querendo levar para a população brasileira: soluções emergenciais. A prioridade é a vida”, destaca a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR).

Apesar do atual protagonismo de Maia, a situação muda quando se considera o futuro do país pós-pandemia. Em 2021 termina o mandato na presidência da Câmara — o mesmo acontecerá a Alcolumbre, no Senado. Dessa forma, o centro terá de encontrar outros nomes que possam substituí-los à altura e seguir contribuindo para uma fuga dos polos da esquerda e da direita.

“Será importante que instituições como Câmara e Senado encontrem líderes que busquem distensionar o ambiente político para que a sociedade não pague o custo. Precisamos ter confiança de que as lideranças atuarão da melhor forma possível”, observa o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice.

Uma nova figura mais pacificadora em cada uma das Casas seria crucial para contribuir com as chances de o país sair da radicalização que dificultaria a reconstrução nacional depois do fim da crise sanitária, sobretudo no campo da economia. “Se a gente continuar assistindo a essas disputas entre Poderes de forma muito acentuada, eventualmente, a gente pode ter um movimento de tensão social, porque as pessoas podem cobrar, ir para as ruas, pedir uma solução desses problemas causados pela pandemia”, explica Noronha.

“O ideal é que esse ambiente pós-crise seja de cooperação. Em um primeiro momento, minimizar os efeitos do coronavírus. Depois, retomar a agenda de reformas estruturais”, acrescenta o cientista político.

Para Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, antes da pandemia, o processo de construção de uma alternativa pelo centro no espaço político era complicado, devido ao lulapetismo de um lado e ao bolsonarismo, do outro. Segundo o analista, até hoje “esses dois polos se retroalimentam na construção política que consolida a imagem do adversário como inimigo”, o que tornaria difícil uma saída pelo centro democrático, caso não fosse a pandemia.

Com o coronavírus, o sensível traço de uma crise política e a dificuldade de Bolsonaro em liderar e coordenar ações para o combate à Covid-19 ficaram ainda mais claros com a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, diz o professor. “Ele saiu com capital político. Bolsonaro permaneceu isolado politicamente, sem condições de implantar uma ação governamental que seja seguida por governadores e prefeitos. Por conta disso e da crise econômica que se avoluma, chegaremos em 2022 numa situação muito difícil. Há uma dificuldade de posicionamento dos políticos, especialmente daqueles que buscam a reeleição, como é o caso de Bolsonaro. Nesse cenário, é possível que o centro democrático consiga se posicionar numa melhor situação”, explica.

Segundo ele, alguns fatores do desgaste de Bolsonaro são visíveis, como os governadores que se distanciaram do presidente e assumiram de maneira mais dura e séria a tese do isolamento social a fim de achatar a taxa de propagação do vírus. Para o especialista, nomes de centro, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), Maia e o próprio Mandetta podem despontar como lideranças que estão se distanciando do petismo e do bolsonarismo.

“Outro que pode se apresentar, ainda sem musculatura, mas tem transitado bem nesse universo é o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Também tem o Luciano Huck, que era um nome cotado, mas que vem perdendo espaço. Durante a pandemia, a presença dele foi tímida e distante do que se espera de alguém que busca se apresentar como uma liderança capaz de governar o país.”

Mandetta, mesmo sendo ministro do governo, confrontou Bolsonaro e também se mostrou distante. “Ele pode ter pretensões maiores, não sei se presidenciais, mas maiores do que somente a vaga de deputado”, analisa o professor Rodrigo Prando, que ressalta que o político que se apresentar como líder capaz de orbitar em torno de economistas, especialistas e cientistas, construindo um projeto para o Brasil, poderá ganhar a simpatia do eleitorado.

Correio Braziliense