STF e Congresso tomarão medidas para conter Bolsonaro

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Foto: Sérgio Lima/Poder360

A relação conturbada do presidente Jair Bolsonaro com governadores e prefeitos em torno de medidas de combate ao novo coronavírus levou o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso a entrarem em campo para esclarecer as competências de cada ente da federação.

Os Poderes Legislativo e Judiciário veem com preocupação os conflitos de gestores locais com o chefe do Executivo federal e temem que as disputas atrapalhem o enfrentamento da doença.

Na tentativa de aprofundar o debate sobre o tema, o Supremo irá julgar nesta quarta-feira (15) se mantém a decisão em que o ministro Marco Aurélio Mello reforçou a autonomia de estados e municípios para imporem medidas de isolamento social.

A tendência é que o entendimento do ministro seja referendado por ampla maioria na corte, deixando claro ao Palácio do Planalto que governos locais também têm competência em discussões relativas à saúde pública.

Na última quarta-feira (8), o ministro Alexandre de Moraes seguiu a mesma linha de Marco Aurélio e, numa ação apresentada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), também delimitou as atribuições da União.

Em outra frente, ministros do STF passaram a estimular parlamentares nos bastidores para dar fôlego a projeto de lei complementar do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) que cria a “decisão coordenada federativa” para ações em saúde em situações de emergência, como a pandemia do coronavírus.

O texto regulamenta inciso do artigo 23 da Constituição que trata da competência de cada ente e prevê que as ações de enfrentamento à doença sejam definidas em votação com representantes dos governos federal, estadual e municipais.

O projeto foi compartilhado por ministros do STF com pessoas próximas, inclusive pelo presidente da corte, Dias Toffoli, que disseram considerar importante a discussão.

Apesar de não ser consenso entre os parlamentares, o texto de Anastasia tem o apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), segundo pessoas próximas. Este respaldo pode fazer com que a proposta seja impulsionada no Senado.

Além das críticas de Bolsonaro aos governadores, o presidente da República tem manifestado a intenção de editar um decreto para determinar o retorno de atividades que foram fechadas pelos estados como forma de propagar o isolamento social.

Na primeira menção do presidente à iniciativa, no final de março, ministros do Supremo fizeram chegar a Bolsonaro a informação de que qualquer medida nesse sentido provavelmente seria derrubada pela corte. A avaliação é a de que ele não poderia interferir dessa forma no poder dos governadores.

O próprio ministro Gilmar Mendes, em reunião com o presidente no mês passado, sugeriu que ele criasse um comitê sobre a pandemia que incluísse representantes de estados e municípios. O comitê de crise do Executivo tem apenas representantes do governo federal.

Após esse episódio, na primeira semana de abril, Bolsonaro voltou a dizer em entrevista à Jovem Pan que poderia baixar um decreto para reabrir atividades fechadas pelos estados.

“Para abrir o comércio, eu posso abrir numa canetada. Enquanto o Supremo ou o Legislativo não suspender os efeitos do meu decreto, o comércio vai ser aberto. É assim que funciona, na base da lei”, disse o presidente.

Novamente, a declaração repercutiu mal em outros Poderes. Dessa forma, ministros do STF avaliam que o texto de Anastasia normatiza a articulação entre os entes durante a pandemia.

O projeto do senador define que participam de uma decisão coordenada “com direito a voto e voz o presidente” da República, o ministro da Saúde (que pode representar o chefe do Executivo na ausência dele), os governadores e os prefeitos das capitais.

As ações a serem definidas pelo grupo devem ser referendadas por maioria absoluta dos participantes.

As decisões devem ser tomadas, “preferencialmente por meios virtuais”, e podem ser convocadas pelo presidente, que comanda as audiências, “por pelo menos um terço dos governadores e metade dos prefeitos de capitais, garantindo a maioria absoluta”.

Anastasia espera debater o tema quando passarem as votações de projetos prioritários na Casa, que devem consumir as sessões das próximas duas semanas.

Quem tem ressalvas ao projeto aponta que muitos senadores não têm interesse em dar mais poder aos governadores, já que muitos são adversários em seus estados.

Mesmo assim, Anastasia diz que buscará união em torno do texto. “É um projeto neutro do ponto de vista político. É como se fosse como a lei da gravidade. É um projeto que estimula a convergência”, diz.

Em outra frente, o presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu pautar para esta quarta-feira (15) ações que tratam das atribuições de estados, municípios e governo federal. Entre elas estão questionamentos de partidos da oposição à medida provisória 926, que determinou que cabe ao governo federal controlar e definir limitações ao deslocamento intermunicipal e interestadual.

Segundo o texto, qualquer decisão, como o fechamento de portos, rodovias ou aeroportos, quando afetarem serviços públicos e atividade essenciais, deve passar pela aprovação de órgãos reguladores (Anvisa, Anac e Antaq).

Em decisão monocrática, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, manteve a validade da MP, mas deixou claro que estados e município têm “competência concorrente” em relação à saúde pública. Ou seja, o magistrado decidiu que governos locais têm autonomia para determinar o isolamento social ou outras medidas que visem proteger a saúde da população.

“O que nela [na MP] se contém –repita-se à exaustão– não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos estados e municípios”, escreveu.​​

Alexandre de Moraes, na ação da OAB, foi além e afirmou que sua decisão vale “independentemente” de posterior ato do presidente Jair Bolsonaro em sentido contrário.

A expectativa de ministros do Supremo é que esse julgamento seja usado para mandar recados ao Palácio do Planalto em relação a outras áreas em que há atribuições conflitantes entre os entes da federação, não só na saúde.

Além disso, preocupam integrantes da corte não só as divergências entre Bolsonaro e governadores, mas também decisões conflitantes tomadas dentro de estados.

Ministros citam, por exemplo, casos de prefeituras que mantêm medidas de isolamento e restrição de transporte público contrariando determinações dos governos estaduais. As gestões de Florianópolis e Cuiabá, por exemplo, decidiram prorrogar por mais tempo ações de confinamento, indo em direção contrária ao pronunciamento dos próprios governadores.

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, defere em parte uma ação do PDT, em 24 de março, e afirma que, apesar de medida provisória do governo exigir aval de agências reguladoras federais para o fechamento de divisas, estados e municípios têm competência para editar medidas de saúde contra o novo coronavírus. Assim, manteve a legalidade de todos os decretos pelo país que impuseram o restrições sobre a circulação da população

Alexandre de Moraes, do STF, suspende, em 26 de março, trecho de medida provisória que retirava a obrigatoriedade de órgãos públicos cumprirem um prazo para responder pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação). A iniciativa afetava todas as áreas do governo em que o setor responsável pelo atendimento estava sem funcionários presenciais. Moraes afirmou que a MP pretendia “transformar as exceções –sigilo de informações– em regra, afastando a plena incidência dos princípios da publicidade e da transparência”

Também em 26 de março, o presidente Jair Bolsonaro publica um decreto que incluía igrejas e casas lotéricas na lista de serviço essenciais, permitindo, portanto, o seu funcionamento durante crise. Um dia depois, a Justiça Federal no Rio de Janeiro suspendeu a iniciativa

Moraes nega, em 27 de março, pedido do Palácio do Planalto para ampliar a vigência de medidas provisórias durante a pandemia. O governo pediu para o STF determinar a suspensão por 30 dias da contagem de prazo das MPs, mas o ministro afirmou que não há previsão na Constituição

Após dar um giro pelo comércio de Brasília, em 29 de março, Bolsonaro diz ter “vontade de baixar um decreto” para permitir que a população voltasse ao trabalho. Governadores, responsáveis pelas quarentenas, disseram que reagiriam na Justiça.
Pelas redes sociais, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), disse que manteria a renovação das medidas restritivas.
“Aqui, não vamos recuar. Se for necessário, iremos até a Justiça”, disse o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). O presidente não levou a ideia para frente

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, veta, em 31 de março, a circulação da campanha “O Brasil não pode parar”, do governo federal, que estimulava a volta à normalidade. Segundo Barroso, iniciativas contra o isolamento colocariam a vida da população em risco. O ministro proibiu ainda qualquer propaganda que minimize a gravidade da crise

Marco Aurélio pede, em 31 de março, manifestação da Procuradoria-Geral da República em notícia-crime apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). De acordo com o parlamentar, Bolsonaro infringiu trecho do Código Penal que proíbe a violação de ordem do poder público que tenha como objetivo impedir a propagação de doença contagiosa

Gilmar Mendes, do STF, vai às redes sociais, também em 31 de março, para criticar a afirmação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que seria necessário aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para pagar os R$ 600 reais a trabalhadores informais. O ministro compartilhou a #PagaLogo para pressionar o governo e disse que a Constituição não pode ser considerada um obstáculo para superação da crise

Bolsonaro reconhece, em 2 de abril, não ter apoio popular suficiente para ordenar o retorno das atividades comerciais no país. Afirmou, no entanto, que poderia tomar a decisão em uma “canetada”. “Se tiver que chegar a esse momento [de determinar a volta], eu vou assinar essa medida provisória (…)”

Em 8 de abril, Alexandre de Moraes decide que estados e municípios têm autonomia para impor o isolamento social.

Na ação, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pedia para a corte obrigar o presidente a seguir as recomendação da OMS. Para o magistrado, o governo federal não poderia “afastar unilateralmente” decisões de governantes locais sobre a restrição de circulação, cuja eficácia, afirmou o ministro, foi comprovada por diversos estudos científicos

O governo Bolsonaro ameaça novamente, em 11 de abril, ir à Justiça contra as quarentenas. A AGU disse que, “diante da adoção ou ameaça de adoção” de iniciativas “restritivas de direitos fundamentais”, prepara ações cabíveis.

O texto não mencionou casos específicos, mas mirava o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), maior opositor do presidente na administração da pandemia. O tucano chegou a dizer que o estado poderia prender quem descumprisse regras de distanciamento

Folha