STF se mobiliza contra asneiras de Bolsonaro

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Foto: Carolina Antunes/PR/Flickr

A insistência do presidente Jair Bolsonaro em minimizar a gravidade da pandemia do novo coronavírus e a possibilidade de ele editar um decreto para reabrir o comércio tem surpreendido e deixado em alerta ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Integrantes da Corte ouvidos reservadamente pelo Valor afirmam que, se o presidente realmente decidir flexibilizar o isolamento social neste momento, não restará outra alternativa à Corte a não ser barrar a iniciativa. “Não vai passar nenhuma medida, no Tribunal, que seja uma ameaça à saúde das pessoas”, afirma um ministro.

Os embates que o presidente tem travado com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também têm incomodado os ministros. “Ele está criticando medidas do próprio governo. O que ele é a essa altura? Líder da oposição ao governo dele? A rigor, ele virou um outsider no seu próprio governo”, diz o magistrado.

Outro ministro afirma que, hoje, Bolsonaro é “voz isolada quanto à retomada da normalidade”. Ele, porém, diz acreditar que o presidente não editará o decreto. “Eu não presumo que ele baixe qualquer ato contrariando o que está sendo preconizado a uma só voz praticamente.”

Juristas ouvidos pela reportagem afirmam que, do ponto de vista jurídico, o presidente não poderia obrigar a abertura do comércio por decreto. Há alguns direitos em choque, o direito individual de propriedade, à saúde pública e, portanto, à vida das pessoas, segundo Flávio de Leão Bastos, professor de direito constitucional da Universidade Mackenzie.

O artigo 5º da Constituição estabelece que, individualmente, qualquer cidadão só é obrigado a fazer algo em virtude de lei conforme o princípio da legalidade. Há também a definição de que a propriedade é um direito fundamental e cumpre uma função social. “O não funcionamento do comércio agora se deve pela tentativa de preservar a saúde das pessoas, com base na ciência. O presidente obrigar o indivíduo a trabalhar na empresa dele seria uma indevida interferência do Estado, que deveria zelar pela saúde e vida das pessoas”, diz.

Nas últimas semanas, não faltaram decisões – e recados – de ministros do Supremo de que a Corte não irá se omitir em relação às “canetadas” que o presidente tem dado em meio à crise.

O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, proibiu o governo de fazer qualquer campanha publicitária que contrarie as determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação ao isolamento.

Já o ministro Alexandre de Moraes, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deu 48 horas para Bolsonaro prestar informações sobre as medidas que vem adotando para combater o avanço da doença no país.

Também não passou despercebido o fato de o ministro Marco Aurélio Mello ter enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de afastamento do presidente, que ele poderia ter arquivado.

Na prática, os despachos dos dois ministros são procedimentos meramente processuais, mas, em momentos de crise, servem como “aviso” de que o Poder Judiciário está atento aos movimentos do Executivo.

Por outro lado, os ministros têm se mostrado sensíveis ao impacto que o isolamento social vai trazer para a economia. Moraes, por exemplo, autorizou o governo federal a descumprir regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para realizar despesas não previstas com ações de combate ao coronavírus.

Marco Aurélio negou o pedido de partidos para suspender as medidas provisórias que flexibilizaram as regras trabalhistas durante o período de enfrentamento da doença.

Toffoli tem adotado um discurso pró-isolamento, mas sempre demonstrando preocupação com o impacto na economia. Na sexta-feira, sugeriu uma saída “diagonal”, isto é, retomar a atividade econômica aos poucos, com o estabelecimento de uma série de critérios. O termo foi uma brincadeira sobre o embate entre o isolamento vertical, defendido por Bolsonaro, e horizontal, adotado pela maioria dos países até agora.

É de Toffoli também a avaliação de que o STF tem funcionado como uma espécie de “Poder Moderador” em meio à pandemia.

Na próxima semana, depois de quase um mês sem a realização de sessões plenárias, os ministros voltarão a se reunir, pela primeira vez, por meio de videoconferência. Na pauta, estão previstas liminares concedidas por ministros em meio à crise. O debate que será travado servirá de termômetro para saber como o conjunto dos 11 ministros tem visto as medidas que vêm sendo adotadas pelo governo. Aos poucos, eles começarão a consolidar uma jurisprudência sobre a pandemia, já que, até agora, as decisões têm sido monocráticas.

Valor