Teich não é consenso entre equipe de governo

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Foto: Jorge William / Agência O Globo

Nomeado para comandar o combate a uma pandemia de proporções ainda desconhecidas, o oncologista Nelson Teich precisará atuar também na construção de uma maioria política em torno de seu trabalho no Ministério da Saúde. Os atritos com o Palácio do Planalto foram os principais motivos que minaram a gestão de Luiz Henrique Mandetta, e a rapidez da escolha do nome do sucessor pelo presidente Jair Bolsonaro surpreendeu mesmo alguns aliados do governo.

Embora pessoas próximas a Bolsonaro reconheçam que a relação com Mandetta estivesse insustentável, a avaliação era que o presidente poderia ter gastado mais tempo antes de decidir. Diante dos apelos de aliados, o presidente cogitou até recuar da nomeação poucas horas antes do anúncio, na quinta-feira. Houve, no entanto, pressão para que a mudança fosse oficializada o quanto antes para evitar o prolongamento da crise política em meio à propagação do novo coronavírus.

De acordo com relatos, Bolsonaro recebeu o currículo de Teich no último dia 11. O nome do oncologista chegou a auxiliares do presidente no início do mês, por meio de um grupo de ministros que, desde o começo da crise epidemiológica no país, consolidou-se como suporte político e jurídico às decisões de Bolsonaro.

Capitaneados pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, os ministros Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), André Mendonça (Advocacia-Geral da União), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) tiveram papel fundamental na escolha do médico. O grupo acabou assumindo, em meio à crise com Mandetta, a dianteira na coordenação das ações do Planalto no combate à Covid-19.

O empresário Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa, atuou na linha de frente para que Teich fosse escolhido e nomeado o mais rapidamente possível. Nigri acionou outros aliados do presidente para reforçar a indicação. Também respaldado pelo chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social, Fabio Wajngarten, o médico caiu nas graças de praticamente todos os ministros que participaram do encontro no Planalto, mas não havia conquistado a confiança de um dos principais conselheiros de Bolsonaro na crise: o presidente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra.

Antes de chamar Teich para a reunião em Brasília, Bolsonaro havia pedido aos auxiliares mais próximos indicações de médicos experientes. Barra sugeriu, segundo interlocutores, o nome de um almirante da saúde da Marinha. Mas houve resistência porque seria mais um militar a ocupar um posto na Esplanada dos Ministérios.

Aliados do presidente dizem que ele estava bastante incomodado com a permanência de Mandetta no governo, principalmente após a entrevista do ministro no domingo passado ao “Fantástico”, que escancarou a quebra de confiança entre os dois.

Por isso, embora sinalizasse estar disposto a ouvir mais candidatos, Bolsonaro também queria uma solução rápida. Pessoas próximas dizem que a decisão por nomear um técnico como Teich, que não tem projeção nacional e é pouco conhecido na política, foi bem pensada. Diante do agravamento da crise com Mandetta, ministros passaram a defender que Bolsonaro encontrasse alguém sem envolvimento com as polêmicas em vigor — da cloroquina ao isolamento social.

A avaliação no Legislativo e no Judiciário, entretanto, é que, em meio à pandemia, a chegada de uma nova equipe vai, inevitavelmente, provocar uma descontinuidade nas ações em andamento. A preocupação é que Teich e seus auxiliares não tenham tempo hábil para se organizar, e o quadro piore.

Um dos pontos que mais chamaram atenção nos dois Poderes foi o fato de Teich ter assumido em seu discurso de posse ser um “ex-médico” e atuar agora apenas como empresário do ramo da saúde.

Ao dizer, ainda na quinta-feira, que há um “alinhamento completo” entre ele e o presidente, Teich acabou dando margem a questionamentos sobre sua capacidade de ter autonomia nas decisões. Bolsonaro fez questão de ressaltar publicamente que não entregará a pasta com “porteira fechada” ao oncologista. Ou seja, a formação de seu time passará pelo Planalto.

Uma ala próxima ao presidente avalia que, além de ser um “ilustre desconhecido”, Teich não transmitiu a segurança de que tenha um projeto para conter o avanço da pandemia no país e não demonstrou conhecimento profundo sobre a Covid-19 em suas falas públicas. Avaliase que seu perfil introspectivo pode dificultar a comunicação com a população.

Os defensores de Teich dizem, no entanto, que o país não precisa de um comunicador na área. O oncologista tem demonstrado, segundo relatos, capacidade de gerenciar e organizar dados. A aposta é que, ao conseguir mapear a real situação da doença no país, o governo consiga tomar medidas tanto no seu combate quanto na retomada das atividades produtivas.

De acordo com esses aliados, a inexperiência política do oncologista tende a ser uma das vantagens de sua gestão. Ministros dizem que, como não é ligado a grupos políticos, o novo ministro não deve ser influenciado por governadores ou outros atores. Será importante para ele, entretanto, ter um diálogo fluido com as autoridades nos governos locais, já que a atuação no Sistema Único de Saúde (SUS) é integrada com os estados e municípios, e saber negociar com deputados e senadores.

Teich, que havia sido cotado para o cargo na transição, em 2018, integrava um grupo de médicos empresários consultados com frequência por Bolsonaro. Aliados dizem que, desde fevereiro, tão logo surgiu o primeiro caso da doença no país, o oncologista vinha contribuindo.

No encontro de quinta-feira, no Planalto, o oncologista ganhou pontos ao destacar que a saúde e a economia devem caminhar juntas e que a solução da crise só virá se o governo atuar em conjunto.

O Globo