Auxílio emergencial permanente assusta capitalistas

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil/ MArcello Casal Jr/Agência Bras

Com mais de 50 milhões de brasileiros beneficiados até agora, o auxílio emergencial de R$ 600 foi um instrumento importante e necessário para amortecer o avanço maior da pobreza e evitar tombo maior da economia. O benefício, porém, foi mal desenhado, resultou em distorções entre os beneficiados e ficou grande do ponto vista fiscal. Sua iminente prorrogação ou a discussão sobre sua perenização demandam aperfeiçoamentos, sob pena de resultar em gasto insustentável.

Essa foi a conclusão de conferência virtual com pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). O debate contou também com a apresentação de estudo sobre o auxílio emergencial do especialista em políticas públicas Vinicius Botelho.

Caso o programa se estenda, diz Botelho, a despesa chegaria em 12 meses a R$ 600 bilhões, valor que equivale a 20 vezes o Bolsa Família e a dez vezes o programa de Benefício de Prestação Continuada (BPC). A estimativa considera 70 milhões de beneficiários. Segundo ele, um cálculo conservador, já que o tamanho do gasto depende também de como as regras poderão ser alteradas pelo Congresso e pelo Judiciário no debate sobre a prorrogação do auxílio.

Cálculos de analistas que consideram a perenização do programa apontam para um déficit primário em 2020 de mais de R$ 1 trilhão, diz Manoel Pires, pesquisador do Ibre. O economista conta que com base em dados recentes baseados nos anexos da Lei de Diretrizes Orçamentárias apresentadas este ano, o Ibre calculou que a reforma previdenciária poderá trazer economia que passa de R$ 1 trilhão em dez anos.

“No final das contas vamos usar a reforma previdenciária para pagar esse déficit primário. Sairemos da pandemia com dívida mais alta, juros mais baixos, com níveis de crescimento que ninguém sabe qual será e sem reforma previdenciária para fazer. A discussão fiscal se tornará mais complexa, sem dúvida”, afirma.

O auxílio emergencial, diz Pires, vai custar em três meses mais de 2% do PIB. “Se anualizar isso, estamos falando de 8% do PIB. Não tem o menor cabimento pensar em tornar esse programa permanente, mas a pressão política existe, a crise vai durar mais do que se imaginava inicialmente.” A questão, avalia, é o que cabe ao governo propor diante desses fatos e qual é o espaço político para uma rodada de negociação de manutenção do programa fechar algumas brechas. “Tenho dificuldade de enxergar como a equipe econômica do governo federal vai lidar com isso nesse primeiro momento de renovação do programa diante dessas pressões e da iminência de uma eleição municipal”.

Ex-secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério da Cidadania, Botelho chama a atenção para eventual necessidade de suplementação de recursos ao programa de auxílio emergencial. Segundo ele, os destinatários do auxílio emergencial, que hoje somam 50,5 milhões, podem chegar a 79,1 milhões, número estimado de potenciais beneficiários. O cálculo baseou-se em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, número de contribuintes individuais e número de microempreendedores individuais. O orçamento, diz ele, prevê espaço para cerca de 58 milhões de beneficiários. O número de potenciais de beneficiários considera que dentro da economia informal não há como verificar o nível de renda e contempla também a entrada de pessoas fora da população economicamente ativa. Também considera premissa de que os trabalhadores formais serão protegidos pelo seguro-desemprego.

Ainda com base nos dados da Pnad Contínua de 2019, diz Botelho, os 79,1 milhões em potenciais beneficiários tinham, antes da pandemia, R$ 64,2 bilhões ao mês em rendimentos habituais do trabalho. A folha do auxílio emergencial, destaca ele, é de R$ 35,5 bilhões mensais. “Mais da metade da massa de rendimentos habituais já está sendo colocada de volta na economia por meio do auxílio emergencial.”

Dentro Programa Bolsa Família, explica Botelho, há beneficiários com emprego formal ou informal. A parcela dos informais, elegível para o auxílio emergencial, soma rendimentos habituais de R$ 6 bilhões. Isso somado à folha de benefícios do Programa Bolsa Família, resulta em R$ 8,7 bilhões de valor total recebido habitualmente antes da crise do coronavírus. A transferência de recursos do auxílio emergencial para o público do Bolsa Família, compara ele, é de R$ 15,2 bilhões. “Para esse público, especificamente, o programa que foi concebido e é usualmente tratado como um programa de compensação por perda de renda, já está em situação de programa de transferência de renda. A magnitude da diferença entre os dois valores é muito grande.”

Botelho também faz a comparação por trabalhador. O rendimento mensal do trabalhador ocupado dentro do Bolsa Família era de R$ 675 mensais antes da pandemia. O benefício médio do auxílio emergencial para o público do Bolsa Família é de R$ 791 mensais. A média mais alta do auxílio emergencial, diz Botelho, é em boa parte explicada, diz ele, pela cota dupla. Ele salienta que mais de 90% dos responsáveis do Bolsa Família são mulheres. Muitas delas não declaram cônjuge e por isso fazem jus à cota dupla. Essa cota garante dois auxílios (R$ 1,2 mil) às mulheres sem cônjuge e com pelo menos um filho menor.

O especialista em políticas públicas também estudou o potencial de expansão do auxílio fora do grupo do Bolsa Família. Nesse público, diz ele, o potencial de beneficiários seria de 60,6 milhões com massa de rendimentos habituais de R$ 54,8 bilhões antes da pandemia . O total da folha do auxílio emergencial para esse grupo, compara ele, é de R$ 20,6 bilhões. “O auxílio dá 37% de reposição dos rendimentos habituais do trabalho no pré-crise para o público de fora do Bolsa Família, um valor significativo.”

Botelho lembra ainda que, segundo dados oficiais, houve 96,9 milhões de pedidos de auxílio emergencial analisados. Desse grupo, 50,5 milhões foram habilitados, sendo que 13,7 milhões tiveram análises inconclusivas e 32,8 milhões foram indeferidos. Esses dois últimos grupos, diz ele, mostram que o total de beneficiários pode efetivamente chegar aos 79,1 milhões. Ele lembra que a adesão de mais beneficiários pode acontecer não somente por mudanças legislativas em discussão como também por meio da judicialização. Os problemas de concepção no desenho do programa, diz ele, abrem brechas para afrouxar os critérios de entrada.

Para Botelho, as discussões sobre a prorrogação do benefício são uma oportunidade para discutir as distorções. Nas “entrelinhas” do debate sobre o auxílio emergencial, diz ele, há a ideia de tornar esse socorro permanente, em substituição ao Bolsa Família. Para ele, o auxílio não é instrumento adequado para combate à pobreza em longo prazo. A pobreza, se mede não em nível individual, mas familiar, além de ser um fenômeno infantil, argumenta.

Apesar dos problemas de formulação, Fernando Veloso, economista do Ibre/FGV, diz que a proteção aos informais é legítima e que o auxílio emergencial não é ruim. Para ele, a questão é o instrumento adotado. Ele acrescenta que os problemas de formulação podem estar ligados à origem do programa, no Congresso Nacional. “Não foi um programa planejado, preparado e submetido ao Congresso pelo governo federal. Saiu de um projeto de lei que já existia, dentro da Câmara dos Deputados. Então inexistem critérios bem pensados. Mas, claro, temos que considerar as circunstâncias.”

“A necessidade do programa é inquestionável. A construção do auxílio num período tão curto de tempo é algo a ser comemorado. Se ele não existisse estaríamos vendo um genocídio social, com risco de caos gigantesco. Evidentemente que fazer algo assim nessa velocidade gera ineficiências”, pondera Pires.

O desafio de criar um programa de caráter geral para um público tão diverso, diz Pires, mostra a dificuldade de tratar dos trabalhadores informais, que devem crescer após no pós-crise. Criou-se um benefício que no fim das contas gerou um acréscimo de renda para o público que está no Bolsa Família. “É muito pouco trivial entender como na crise criamos um programa que melhora a vida de tanta gente. Por outro lado, esse mesmo programa para vários casos não compensa a renda adequadamente. Há vários problemas nele, sem falar nas dificuldades operacionais e cadastrais.”

Ao mesmo tempo em que se precisa ter muito cuidado no desenho e durabilidade do programa é preciso ter em mente, diz Pires, que muito provavelmente o pós-crise intensificará as tendências de maior informalidade e maior pobreza, o que demandará programas de proteção social. “A questão é como fazemos a transição de um programa que é muito abrangente, muito caro e absolutamente irrazoável no contexto fora da crise para algo que seja racional e compatível com a capacidade do Estado brasileiro.”

Valor Econômico